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Assédio sexual ou declaração de interesse: quando passa de um "convite" a importunação?

O advogado João Caiado Guerreiro explica à SIC Notícias que o artigo publicado pelas três investigadoras não constitui uma denúncia, porque não refere "factos". Esclarece também quando é que é considerado assédio e quais as consequências deste crime.

Assédio sexual - Imagem ilustrativa.
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Um artigo escrito por três investigadoras e publicado no livro “Sexual Misconduct in Academia” (Condutas sexuais impróprias na Academia”, em português) levanta suspeitas sobre casos de assédio sexual e conduta imprópria no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

O artigo faz referência ao “Professor Estrela” – identificado como sendo o reputado sociólogo Boaventura Sousa Santos –, o “Aprendiz” – que será Bruno Sena Martins – e uma “Vigilante”. Perante este texto, o advogado João Caiado Guerreiro explica à SIC Notícias que para existir uma denúncia “teria que referir factos”.

“Esta forma de falar nos assuntos não é verdadeiramente uma denúncia. Uma denúncia teria que referir factos – quem, fez o quê, quando. Não se diz quando aconteceu, não se diz quem foi – infere-se que foi uma determinada pessoa – e não se diz quem foi a vítima”, explica o advogado, lembrando que, se o caso for investigado, terá de se falar com as vítimas.

O assédio sexual é considerado um “crime semi-público”, logo, em princípio, “carece de uma denúncia feita pelas próprias investigadoras” ou pela comissão que venha a investigar estas situações. O advogado sublinha que existem dois planos no que ao assédio sexual diz respeito, nomeadamente o assédio em contexto laboral e a vertente criminal – onde “pode haver penas de prisão até um ano”.

Quando é considerado assédio?

João Caiado Guerreiro sublinha a importância de distinguir o que é uma “declaração de interesse” e um caso de assédio sexual. Lembra que uma pessoa pode declarar o interesse por outra, convidá-la para sair sem ser considerado assédio. “Assédio é a repetição de comportamentos indesejados”.

“As pessoas relacionam-se com pessoas que conhecem. Alguém, mesmo que numa posição de poder, diga a outra pessoa ‘eu gosto de si, quer vir jantar comigo?’ não é assédio. Assédio é depois da outra pessoa dizer que não quer, que não está interessada, continuar a insistir”, explica.

A situação muda de figura quando esta “declaração de intenção” tem associado uma contrapartida que, em caso de recusa por parte do(a) convidado(a) este possa ficar prejudicado. Nesse caso trata-se de “uso da posição de poder”, o que constitui uma situação abusiva.

“Abusivo é se há esse contexto penalizador, mas isso é um comportamento completamente diferente. Esse punido penalmente e pelas leis laborais que aqui se aplicarão. O simples convite feito uma vez não é assédio. É uma relação normal entre duas pessoas, sendo os dois naturalmente adultos.”

Presunção de inocência em casos mediáticos

Depois do movimento #MeToo, as alegações e denúncias de assédio sexual têm-se tornado cada vez mais mediáticas – principalmente quando envolvem personalidades. João Caiado Guerreiro considera que é importante lembrar que toda a gente tem direito “à presunção de inocência".

“O movimento #MeToo trouxe um grande problema com a presunção de inocência. Passamos a ter uma situação – que já acontecia com outras figuras públicas, noutros contextos – em que o julgamento acaba por ser feito nos media e na praça popular e já ninguém quer saber o que tribunal vai dizer.”

O advogado reforça que “uma pessoa acusada de qualquer coisa tem todo o direito à presunção de inocência – esse é um ponto essencial do Estado de direito e aqui também”.

“Aparecerem duas, três ou dez pessoas a acusarem alguém de assédio não significa que haja assédio. Para isso é preciso que um tribunal venha dizer e condenar uma determinada pessoa por ter efetuado esse assédio”, explica. Mas ressalva: “Por outro lado, o povo também diz que não há fumo sem fogo. Ficamos numa ambivalência complicada, da qual é difícil sair e para a qual a nossa sociedade não encontrou soluções.”

O assédio sexual – seja sexual ou moral – poderá ter diferentes punições em função do comportamento em causa. Pode ser penalizado a nível laboral e pode chegar às normas penais. No caso de importunação sexual – o mais grave – “estamos já a falar de um crime com pena de prisão”.