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“Havia a perceção geral de que o Boaventura era intocável”: ex-aluna quebra o silêncio

Bella Gonçalves, investigadora e deputada brasileira, revelou à SIC um dos alegados episódios de assédio com Boaventura Sousa Santos. O relato remonta a 2014, quando era sua aluna.

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Bella Gonçalves, ex-aluna de doutoramento de Boaventura Sousa Santos, acusa o professor catedrático de assédio. Em declarações à SIC, revela um encontro entre os dois e afirma que foi “silenciada” pelo sistema.

Em 2014, Bella Gonçalves era orientanda do professor Boaventura Sousa Santos no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

“Vivi uma situação de assédio com o meu então orientador Boaventura Sousa Santos. Chamou-me para uma reunião no seu apartamento, tocou na minha perna e propôs aprofundar a relação”, conta à SIC.

A investigadora e deputada estadual em Minas Gerais, no Brasil, pelo partido de esquerda PSOL, revela que na altura chegou a denunciar a situação ao coordenador do curso e a vários professores, mas foi “silenciada”.

“Na altura procurei o coordenador do curso assim como vários professores, nenhum deles me incentivou a fazer a denúncia. Havia uma perceção geral de que o Boaventura era intocável. (...) Poderia significar a impossibilidade de terminar o meu doutoramento”.

Bella Gonçalves revela ainda uma frase que a marcou dita pelos vários professores com quem falou.

“Procurei vários professores e ouvi a seguinte frase: ‘Consigo também? O professor Boaventura é muito brilhante, mas infelizmente tem dessas coisas”, conta.

A investigadora afirma ainda não se culpar por não ter tido condições de fazer a denúncia na altura, mas assume “julgar o sistema que naquela época me silenciou”.

Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins suspensos do CES

A Direção e Presidência do Conselho Científico do Centro de Estudos Sociais (CES) informou esta sexta-feira que o professor catedrático e sociólogo Boaventura de Sousa Santos e o professor Bruno Sena Martins - ambos implicados nas acusações de assédio - foram “suspensos de todos os cargos” até que a comissão independente criada pela instituição apure todos os factos e chegue a conclusões.

Mas ao início da noite, o próprio Boaventura de Sousa Santos enviou uma nota às redações a anunciar que se afastou depois de ser afastado: “Compreendendo a necessidade de que tudo venha a ser esclarecido com rigor, tomei a decisão de me autoafastar das atividades do CES”, lê-se no curto comunicado.

Sublinhado que “eventuais casos de conduta inadequada ou não ética não refletem a cultura de trabalho do CES como um todo", a intuição assegura que “mantém o compromisso com a sua missão de defesa dos direitos humanos e com o dever de transparência, proteção e justiça para com todas as pessoas que fazem parte da sua comunidade”.

O que está em causa?

Um artigo académico publicado no final de março denunciou um clima de aliciamento e de abusos sexuais no Centro de Estudos Sociais de Coimbra. Os implicados são, alegadamente, Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins - o “Professor Estrela” e o “Aprendiz”.

A polémica surgiu na terça-feira, depois de ser tornado público um capítulo do livro "Sexual Misconduct in Academia" ("Condutas sexuais impróprias na Academia"). No texto, com o título "The walls spoke when no one else would" ("As paredes falavam quando ninguém o fazia", em tradução livre), as três investigadoras - uma belga, uma portuguesa e uma norte-americana - descrevem como se terá desenvolvido uma estrutura de poder dentro da instituição que permitia os abusos.