Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

País

Partos de baixo risco assegurados por enfermeiros: perguntas e respostas

O que é que a orientação da DGS traz de novo? As mudanças serão efetivas? E vai ter impacto no fecho das urgências de obstetrícia? O professor de Saúde Internacional, Tiago Correia, responde a estas e outras questões.

Bebé
Bebé
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A Direção-Geral da Saúde emitiu uma orientação que pretende uniformizar os cuidados hospitalares durante trabalho de parto e clarificar o papel dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica e dos médicos especialistas de obstetrícia e ginecologia. A notícia não só teve impacto público, como já motivou o pedido de revogação por parte da Ordem dos Médicos. Dado o ruído instalado e a importância do tema para as grávidas e suas famílias, tenta-se clarificar o que está em causa em 7 perguntas e respostas.

1. O que é que a orientação da DGS traz de novo?

A orientação 002/2023 permite que o internamento hospitalar de um trabalho de parto de baixo risco possa ser realizado pelos enfermeiros especialistas. A estes enfermeiros também é permitido atuarem como profissionais responsáveis pela execução destes partos. Estão bem definidos os critérios de "baixo risco", o conteúdo do trabalho dos vários profissionais envolvidos e a desejável articulação com médicos de obstetrícia e ginecologia.

2. É de esperar uma mudança de fundo no modo como os partos são realizados no SNS?

Não. Os partos de baixo risco no SNS já são, por norma, realizados por estes enfermeiros com o acompanhamento de médicos quando os critérios clínicos o justificam. De norte a sul do país existem inúmeros projetos, inclusive em cuidados de saúde primários, que reforçam o trabalho autónomo destes enfermeiros junto das grávidas sob critérios semelhantes àqueles descritos nesta orientação. Portanto, o que está em causa é mais a procura de uniformização destas práticas e a clarificação dos procedimentos para aumentar a segurança e a qualidade em todo o SNS.

3. E as mudanças serão efetivas?

A resposta não é fácil, porque o documento emitido pela Direção-Geral da Saúde é uma "orientação" e não uma "norma", logo não tem força jurídica. A orientação pode ter uma força tácita, ou seja, os hospitais aderirem de forma voluntária, mas nada obriga a que seja cumprida e não há penalização em caso de incumprimento.

4. E vai ter impacto no fecho das urgências de obstetrícia?

Também não é fácil responder. Primeiro, porque esta orientação apenas terá impacto caso seja efetivamente implementada. Segundo, porque o fecho destas urgências e dos blocos de partos é motivado pela falta de várias especialidades médicas, incluindo a pediatria ou a anestesiologia. Logo, não é por via desta atribuição aos enfermeiros que se resolverá o problema da falta de médicos em várias especialidades e zonas do país. Terceiro, porque qualquer impacto positivo depende da contratação de mais enfermeiros especialistas, sob pena do problema manter-se inalterado.

5. Há fundamento científico para esta orientação?

Sim e publicada há muitos anos. As fontes científicas que enquadram esta orientação combinam diretivas internacionais, aprendizagens de vários países e literatura médica e de enfermagem. Há que reforçar que o que está em causa constitui a prática habitual na generalidade dos países com os quais Portugal se compara. Não se trata de um ataque à qualidade ou segurança das mães e bebés nem de uma medida de poupança.

6. E tem enquadramento jurídico?

Sim, a Diretiva Europeia 2005/36/CE do Parlamento Europeu que foi transposta para a ordem jurídica nacional pela Lei 31/2021 de 24 de maio. O conteúdo desta orientação está conforme os termos da lei em vigor. Quando muito, peca por defeito ao não incluir que enfermeiros especialistas "prescrevam exames necessários à vigilância da evolução da gravidez normal nem prescrevam exames necessários ao diagnóstico mais precoce possível da gravidez de risco" (citação da Lei 31/2021).

7. Então, o que justifica a oposição da Ordem dos Médicos?

A revogação entretanto pedida pela Ordem dos Médicos é, até ver, motivada pelo processo (a suposta falta de partilha da versão final do documento antes de ter sido tornado público) e não pelo conteúdo. No entanto, é inequívoco que vários colégios de especialidades médicas e sociedades científicas fizeram parte da coordenação científica da orientação, além de que o Coordenador da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos já veio dizer que a crítica da Ordem é infundada. Não é, por enquanto, possível antever quais os desenvolvimentos deste braço de ferro.