Os dois principais arguidos do processo da Operação Picoas estiveram sem vigilância da GNR durante mais de dois meses, por erro do tribunal. Depois da reportagem que a SIC emitiu esta semana, o tribunal assume que a ordem não foi comunicada à autoridade e que só esta terça-feira foi ordenada a vigilância a Armando Pereira e Hêrnani Vaz Antunes.
Questionada pela SIC, a Comarca de Lisboa confirma que, segundo informação “obtida junto do Juiz titular do processo”, não foi cumprida a “adequada vigilância ao cumprimento da obrigação de permanência na habitação de Armando Pereira e de Hernani Antunes”, ambos arguidos na operação Picoas.
“(…), esta parte do despacho não foi cumprida, motivo pelo qual, na presente data será proferido despacho no sentido de ser efetuada a comunicação ao OPC então determinada”, lê-se na nota da Comarca de Lisboa enviada à SIC.
Este esclarecimento surge quando passaram mais de dois meses desde que Armando Pereira e Hêrnani Vaz Antunes ficaram a conhecer as medidas de coação.
O juiz Carlos Alexandre concordou com o Ministério Público que havia perigo de fuga e de perturbação de inquérito e ordenou que o fundador da Altice e o amigo empresário de Braga ficassem sujeitos a prisão domiciliária, mas sem pulseira eletrónica.
No entanto, o magistrado fez constar no despacho que deveria ser comunicado ao órgão de policia criminal da área de residência dos arguidos que fosse providenciada adequada vigilância ao cumprimento da medida, ou seja, para que os militares da GNR controlassem as entradas e saídas das casas de Armando Pereira e Hêrnani Vaz Antunes.
Acontece que, uma investigação da SIC concluiu que, afinal, a vigilância nunca aconteceu.
Apesar de terem sido feitos vários pedidos de explicação à GNR, ao Tribunal e ao Ministério Público só depois de a notícia da SIC ser emitida chegou a confirmação: o titular do processo, que já não é o juiz Carlos Alexandre, informa que o despacho não foi cumprido e que só na presente data, ou seja, esta terça-feira iria ser efetuada a comunicação que há dois meses e meio foi determinada.
Não é, porém, explicado por que razão ocorreu este erro, nem quais as consequências que serão retiradas.
Operação Picoas
Neste processo está em causa uma "viciação decisória do grupo Altice em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência" que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva e para crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Os investigadores suspeitam que, a nível fiscal, o Estado terá sido defraudado numa verba superior a 100 milhões de euros.
A investigação indica também a existência de indícios de "aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira" através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas.
Entende o MP que terão também sido usadas sociedades 'offshore', indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.
Armando Pereira indiciado de 11 crimes
O cofundador da Altice Armando Pereira está indiciado de 11 crimes, entre os quais seis de corrupção ativa e um de corrupção passiva no setor privado, além de quatro de branqueamento e crimes não quantificados de falsificação de documentos no processo 'Operação Picoas'.
De acordo com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do MP, a operação desencadeada em 13 de julho, que levou a três detenções, contou com cerca de 90 buscas domiciliárias e não domiciliárias, entre as quais instalações de empresas e escritórios de advogados em vários pontos do país.
Hernâni Vaz Antunes foi o quarto arguido a ser detido, mas tal ocorreu apenas no dia 15, após entregar-se às autoridades.
Nas buscas, o DCIAP revelou que foram apreendidos documentos e objetos, "tais como viaturas de luxo e modelos exclusivos com um valor estimado de cerca de 20 milhões de euros".