Por esta altura Maria Angelina já devia ter a vindima feita, mas a empresa que sempre lhe comprou a produção avisou já em cima da hora de que só ia ficar com as uvas destinadas para o vinho do Porto e pouco mais… num total de 10 toneladas.
“No dia em que eu comecei a fazer a vindima foi o que me disseram. Eu disse ao engenheiro, então diga-me o que é que eu agora vou fazer às outras. Oh Maria arranje-se, não sei, mas nós não podemos ficar com elas [disse] e eu ainda lhe disse: nós pequeninos é que ajudámos a fazer a empresa que é hoje e agora deixam-nos as uvas na vinha”, conta Maria Angelina Rocha, viticultura
O ano de boa colheita tornou-se num pesadelo. Maria arrisca-se a deixar cinco toneladas de uva nas videiras, tal como José Maria Peixoto que nunca pensou que aos 90 anos tivesse de andar a bater em tanta porta para conseguir vender mais de 20 toneladas que ainda estão nas vinhas. Os poucos que se propõem a comprar oferecem valores que não pagam a produção.
Não têm capacidade para produzir e vender o próprio vinho e muitos viram-se para as cooperativas. A de Sabrosa está quase a fechar as vindimas e continua a receber pedidos desesperados de viticultores para comprar uvas, mas a estratégia atual da adega é garantir o escoamento da produção dos cerca de 600 sócios a preços justos.
“O ano que transitou foi complicado em termos de stocks e de vendas. É doloroso assistir ao desespero de muitos viticultores que nos visitaram, que nos procuraram, que nos questionaram desesperadamente para poderem colocar aqui as uvas. A adega, por estratégia, não abriu a entrada a novos associados ”, explica Natércia Veiga da adega cooperativa de Sabrosa.
A mais recente medida do Governo para tentar conter a crise é uma linha de crédito de 100 milhões de euros com juros bonificados para cooperativas e empresas produtoras de vinhos.
“Taxa de juro zero para as cooperativas e empresas que provarem que pagaram as uvas aos produtores. É uma forma que nós temos de obrigar, no fundo, a que os recursos e este dinheiro chegue ao bolso dos viticultores”, diz José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura.
Os viticultores dizem que nenhuma medida até agora anunciada lhes chegou ao bolso e ameaçam abandonar a atividade.
“Sobre as normas que o estado fez, foi só para os grandes porque os pequenos que somos nós os agricultores não temos direito a nada (...) Pedimos ao menos um apoio para aquilo que fica para trás”, António Alves, viticultor.
As vindimas eram a época mais feliz do Douro, agora são tempos de angústia com uma manta de retalhos no horizonte feita de milhares de toneladas de uvas por colher. Um duro golpe no trabalho de quem fez da região património da humanidade de homens e mulheres que deixaram de ver futuro na terra.