País

APA diz que obras de ampliação no aeroporto de Lisboa devem ser sujeitas a avaliação ambiental

Uma fonte ligada ao processo antecipa que a avaliação vai atrasar as obras entre dois e três anos.

Loading...

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) considera que as obras de ampliação das pistas do aeroporto de Lisboa devem ser sujeitas a avaliação de impacte ambiental, incluindo o aumento máximo previsto até 45 voos por hora.

"O estudo de impacte ambiental (EIA) a desenvolver deve considerar como situação de referência o número de voos declarado no pedido de apreciação prévia relativo ao projeto 'Pier Sul, Central e Apron Sul' (38 movimentos por hora) e a sua evolução futura, designadamente até atingir a capacidade máxima de 45 movimentos por hora", refere um parecer, datado de 2 de dezembro, da APA.

Uma fonte ligada ao processo antecipa que a avaliação vai atrasar as obras entre dois e três anos. Isto numa altura em que o aeroporto de Lisboa deveria estar a trabalhar na capacidade reforçada, para fazer crescer o turismo antes da construção do novo aeroporto.

O parecer acrescentou que "deve ainda ser considerado, ao nível da avaliação de impactes cumulativos, o acréscimo de movimentos previstos no aeródromo municipal de Cascais, também indicado" na resolução do Conselho de Ministros, de 27 de maio.

O documento foi elaborado a pedido da ANA - Aeroportos de Portugal, sobre a verificação da necessidade de avaliação de impacte ambiental (AIA) aos projetos de 'Taxiway' exterior e entradas múltiplas na 'Runway' 20, "incluindo as expropriações na zona das entradas múltiplas da pista 21 (atual 20)" no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.

As intervenções terão lugar numa zona central do aeroporto, "maioritariamente no interior do seu atual perímetro" e "apenas uma pequena área a este do limite do projeto dois [pista 20] extravasa ligeiramente os limites atuais", determinando "a necessidade de uma pequena adaptação desses limites", lê-se no parecer.

As obras têm como objetivo a melhoria operacional na Portela, quer através da experiência do passageiro (redução de atrasos e tempos de espera, simplificação de procedimentos), bem como da redução "de recurso a voos noturnos", "de ocupação de pista" e "dos atrasos de aterragem e descolagem", além de "menor tempo de espera para aterragem, com redução de consumo de [combustível] 'jet' e emissões de ruído".

Outro objetivo passa por descolagens com um comprimento de pista maior, "aumentando de 90% para 98% as descolagens desde as novas entradas múltiplas e reduzindo deste modo de 10% para 2% os atravessamentos de pista, contribuindo assim para a redução do tempo de ocupação de pista".

Em geral, as intervenções visam "agilizar a circulação no solo das aeronaves e reduzindo os atrasos de aterragem e descolagem no aeroporto".

Os projetos enquadram-se nas resoluções do Conselho de Ministros de 28 de dezembro de 2023 e de 27 de maio deste ano, que visam um conjunto de medidas para mitigar os constrangimentos operacionais na Portela até à operacionalização da futura solução aeroportuária na região de Lisboa, em Alcochete, impondo à ANA os investimentos para cumprimento das obrigações.

Nos projetos que integram as obrigações listadas na resolução estão incluídos o "Pier Sul, Pier Central e Apron Sul", objeto de apreciação prévia da APA, que considerou que "o projeto não seria suscetível de provocar impactes negativos significativos, não carecendo" de AIA, no pressuposto de que "não estava associado" ao aumento de "número de voos".

No entanto, a APA indicou que, "caso se verificasse a alteração de qualquer circunstância que pudesse determinar impactes negativos, incluindo o aumento do número de voos", deviam ser espoletados "os procedimentos" no âmbito do regime jurídico de AIA.

O projeto do "Pier Sul, Pier Central e Apron Sul" está em fase de concurso, "tendo como objetivo o início da fase de obra no último trimestre de 2024" e, nas obrigações específicas de desenvolvimento (OED) da ANA, consta como prioritária a construção de saídas rápidas de pista 03 (atual 02) e a fase 2 de outra saída rápida (H2).

Na resolução de 27 de maio, a concessionária deve assegurar investimentos que permitam "um volume de tráfego anual de 40-45 milhões de passageiros", implicando além de investimento "nos subsistemas de aeroporto (pista, 'taxiways', placas de estacionamento, terminais e acessibilidades), um aumento do número de movimentos, por hora, até 45", com possibilidade de "dois outros por tráfego aéreo" de e para "o aeródromo municipal de Cascais", explica-se no parecer.

A NAV Portugal, em maio deste ano, promoveu um conjunto de iniciativas de reestruturação do espaço aéreo de Lisboa, incluindo a entrada em funcionamento do 'Point Merge System' (PMS), que permite uma sequenciação mais fluida e simplificada do tráfego que, juntamente com obras na pista, reúne "condições para permitir o aumento de capacidade" do aeroporto em "número de voos".

"Este aumento é suscetível de provocar impactes negativos significativos no ambiente, nomeadamente, ao nível do ambiente sonoro, da socioeconomia e do ordenamento do território, tendo em conta a área onde se insere" o aeroporto "e as características da atividade aeroportuária", considera-se no parecer.

Nesse sentido, a APA entendeu que "o projeto deve ser sujeito a procedimento de AIA".

Associação Zero saúda APA

A associação Zero aplaudiu a decisão APA, mas insiste na necessidade de avaliar o aumento de operação desde 2015.

Numa nota enviada às redações, a Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável "saúda de forma entusiasta o entendimento e decisão da APA, porque, como reiteradamente tem vindo a dizer, partilha desse entendimento, e já tinha alertado para a necessidade de Avaliação de Impacte Ambiental a quaisquer obras no Aeroporto Humberto Delgado".

"É ainda de congratular que o estudo de impacte ambiental (EIA) a desenvolver considere a evolução futura dos voos até atingir a capacidade máxima de 45 movimentos por hora prevista na resolução de Conselho de Ministros" de 27 de maio, acrescenta organização não-governamental (ONG) do ambiente.

A APA, salienta a associação, pronunciou-se pela necessidade de as obras de entradas e saídas rápidas de pista "serem sujeitas a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA)", entendendo que, diminuindo o "tempo de ocupação de faixa de pista por cada aeronave, permitem, a par de outras intervenções já efetuadas no aeroporto, um aumento da sua capacidade em termos de número de voos".

"O que é suscetível de provocar impactes negativos significativos em termos de ruído, da socioeconomia e do ordenamento do território, tendo em conta a área onde se insere o aeroporto e as características da atividade aeroportuária, razão que justifica a decisão", alerta a Zero.

A associação presidida por Francisco Ferreira espera que a decisão da APA "ponha cobro ao fracionamento de intervenções para expandir sub-repticiamente a capacidade do aeroporto".

Nesse sentido, a Zero elogia "a decisão inédita da APA", mas considera que "peca por incoerência, pois tem havido outras intervenções no aeroporto desde 2015, e mais estão previstas, que também justificariam desencadear essa necessidade".

"Essas intervenções consistem na construção de outras duas saídas rápidas em 2020, na reorganização do espaço aéreo na região de Lisboa, no encerramento da pista cruzada 17/35, na atualização do sistema de controlo de tráfego aéreo, no encerramento do aeródromo de Figo Maduro [...], na atualização do sistema de controlo de tráfego aéreo, e na extensão do terminal", obra recentemente adjudicada, enumera.

Para a ONG, estas intervenções, "isolada ou conjuntamente, permitem um aumento de voos no aeroporto, e por isso, mesmo as não físicas, deveriam ser sujeitas a AIA, mas não foram".

"Esta situação prefigura o uso, com sucesso, por parte da concessionária da técnica do fracionamento ('salami slice') para expandir a capacidade do aeroporto, que consiste em pequenas alterações com menor probabilidade de gerar objeções ou espoletar a aplicação do regime jurídico de AIA", aponta, esperando que a APA "ponha agora cobro de vez ao êxito desta estratégia".

A Zero alerta ainda que o aeroporto "está atualmente a operar muito para além dos limites para o qual a sua Declaração de Impacte Ambiental (DIA) é válida", emitida em 2006 quando a infraestrutura aeronáutica movimentava cerca de 12 milhões de passageiros por ano.

No documento previa-se então o encerramento do aeroporto em 2015, com um máximo de 180.000 movimentos de aviões por ano e 16 milhões de passageiros, mas a Portela, em 2023, "registou mais de 33 milhões de passageiros e 217.000 movimentos", acrescenta a ONG.

"Tudo isto tem impactos extremamente gravosos para a cidade de Lisboa, em termos de ambiente sonoro, de qualidade do ar, tráfego induzido e de pressão turística, entre outros, os quais não estão avaliados", refere, defendendo que a "expansão da operação do aeroporto desde 2015 deveria ser toda avaliada em sede de pós-avaliação da AIA de 2006".

Uma iniciativa que a Zero diz ter suporte no regime jurídico da AIA, em que se prevê "o estabelecimento e adoção de medidas adicionais para minimizar ou compensar impactes negativos significativos não previstos ocorridos durante a exploração do projeto avaliado".