"Amo-te irmão, beijinhos da família." Até podia ser uma insuspeita carta de amor a um recluso, como tantas, mas não: esta esconde uma encomenda proibida por lei.
"Estamos a falar de uma substância sintética, é um pó solúvel (...) em álcool e acetona. Dá para diluir, pôr num borrifador e borrifar um papel. E, pronto: a droga está lá”, explica Maria João Caldeira, responsável do setor de drogas do Laboratório de Polícia Científica.
À vista desarmada, não é possível perceber que se trata apenas de um novo veículo de transporte de droga para dentro das prisões. “É praticamente impossível. Não é visível a olho nu”, sublinha Maria João Caldeira
Uma simples folha de papel pode valer mais de 2 mil euros. E às 49 prisões do país chegam cada vez mais cartas.
“Está a ser um problema muito grande. Temos constantemente reclusos internados no hospital devido à inalação disto”, admite Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.
“Em Paços de Ferreira, tivemos, no mesmo dia, há uns meses cinco reclusos que tiveram todos ataques cardíacos”, conta. “Tivemos um recluso a querer beijar as botas de um guarda porque estava a alucinar com isto”
Vinte casos só no último mês
O consumo de K4 chegou a Portugal ao mesmo tempo que a pandemia e não tem parado de crescer. Em cinco anos, já foram reportados mais de 130 casos nas cadeias portuguesas – 20 deles só no último mês.
Os peritos em polícia científica da Judiciária enfrentam um novo desafio no laboratório.
“Estamos a tentar desenvolver alguns métodos que permitam saber quais é que são os canabinoides sintéticos que estão presentes nas amostras”, refere Maria João Caldeira.
Por ser recente em Portugal, só em 2021 o K4 entrou para a lista de drogas proibidas. Antes, vários casos foram arquivados por falta de legislação.
“Não vemos solução, a não ser que o Governo tenha a coragem política de fazer uma alteração ao código de execução de penas”, defende Frederico Morais. O sindicato dos guardas prisionais pede que nenhum papel entre nas prisões a não ser já sob a forma de fotocópia.
“Temos de ter segurança. E isto é uma insegurança para nós e para a população reclusa em geral”, afirma.
A fotocopiadora pode, no entanto, já não chegar para resolver o problema, uma vez que o K4 já chega aos reclusos de outras formas. “Nomeadamente, roupa”, aponta Maria João Caldeia. "Meias” impregnadas com a droga.
A droga acaba sempre por viajar para dentro da cela.