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Homem mordido por víbora em Marvão: a saga de 10 horas até à administração do antídoto

Um homem foi mordido por uma víbora-cornuda em Marvão. Os passos seguintes foram ligar para o 112, uma viagem até ao Hospital de Portalegre e outra para o Hospital de São José. Nas redes sociais o caso é descrito como “uma tragicomédia real”. Mas o que podemos aprender com ele?

Homem mordido por víbora em Marvão: a saga de 10 horas até à administração do antídoto
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Entre a mordidela e a administração do antídoto passaram 10 horas, quando o recomendado pelo Centro de Informação Antivenenos (CIAV) são seis horas. No Hospital de Portalegre não havia o antídoto, no Hospital de São José (Lisboa) havia um, mas não o mais adequado. Caso foi denunciado no Facebook com críticas aos cuidados de saúde em Portugal.

Terça-feira, dia 26 de agosto, cerca das 10h30, na zona de Marvão: Fabien foi mordido no dedo por uma víbora por volta dessa hora. Ligou de seguida para o 112, que remeteu a chamada para o CIAV, o serviço do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que presta aconselhamento médico especializado sobre intoxicações. 

Dessa chamada, confirmada pelo CIAV à SIC, resultou o encaminhamento para o Hospital de Portalegre e, segundo declarações do doente, a recomendação foi de administração de gelo até que a ambulância chegasse. Já em Portalegre, onde não havia o antídoto, foi visto, segundo relata, cerca das 11h30. 

“Já estavam em contacto com a equipa do Hospital de São José quando estava a ser visto, não tinham o antídoto”, deu conta Fabien. 

Em declarações à SIC, a responsável pelo CIAV, Fátima Rato, confirma que o “Hospital de Portalegre realmente, na altura, não tinha disponível o antídoto” tendo combinado com a equipa médica que iriam contactar os hospitais da região “para ver se teriam alguma alguma ampola que pudessem dispensar”.

“Muitas vezes isto acontece [disponibilização de fármacos entre hospitais] para utilização imediata e depois o hospital faz a aquisição e devolve”, afirma a responsável detalhando que esta é uma gestão operacional.

Duas horas à espera de ambulância

No Hospital de Portalegre, enquanto era clinicamente observado, foram-lhe administrados analgésicos até ser reencaminhado para o Hospital de São José, em Lisboa, que já estava a par do seu caso. 

O homem relata que foi aí que ocorreu o “maior caos” tendo esperado “mais do que duas horas” até chegar a ambulância para o transferir para a unidade hospitalar em Lisboa. 

“No Hospital de São José cheguei por volta das 18h00, aí foi super rápido, fui diretamente para a cirurgia plástica”, conta à SIC elogiando os “cuidados muito bons” que tem recebido da equipa médica desde o primeiro momento no hospital lisboeta. 

Passos seguintes? Identificar a víbora responsável pela mordidela: “Mostraram-me imagens para identificá-la e era uma víbora-cornuda.” 

Apesar de o Hospital de São José ter antídotos para casos como este, segundo Fabien, “não tinham o antídoto mais indicado para este tipo de víbora”. Por isso, recorreram ao Hospital de Santa Maria porque, este sim, tinha o antídoto mais apropriado. 

E o relógio não parou. Eram já perto das 20h00 quando o antídoto foi administrado.

Dores insuportáveis e risco de perder o dedo

Fabien relata à SIC as dores insuportáveis que este tipo de mordidela provoca, apontando que duraram “três dias” e, em alguns momentos, chegava a “chorar de dor”. O dedo de Fabien entrou mesmo em processo de necrose.

“Temia a amputação, mas os médicos acalmaram-me e disseram que tudo fariam para que tal não acontecesse”, apontou. 

O homem ficou internado no São José e explica que no dia seguinte (27 de agosto) começou a fazer Oxigenoterapia Hiperbárica - um tratamento reconhecido como eficaz em casos de necrose -, mantendo-se a fazer este tratamento durante mais de uma semana.

Segundo afirma, foram-lhe administradas "três doses do antídoto, três doses de plasma e vários antibióticos" estando o tratamento ao dedo a evoluir favoravelmente e a recuperar "mesmo bem". No início desta semana, a equipa médica decidirá quando será possível avançar para uma "pequena cirurgia para tirar o tecido morto e ver como reconstruir" o dedo.

Portalegre está a "desenvolver esforços" para ter antídoto

À SIC, o Hospital de Portalegre explica que os casos que têm ocorrido são “pontuais”, em particular na região do Parque Natural da Serra de São Mamede.

Confirma ainda “não dispor de antídoto para o veneno da víbora-cornuda”, mas garante que “quando estes casos acontecem, o Hospital de Portalegre segue todos os procedimentos protocolados, entre os quais a transferência das vítimas para outras unidades de referência”.

Por fim, sublinha que atualmente, o antídoto existente está apenas disponível em hospitais centrais”, mas que estão “a desenvolver esforços para poder contar com a disponibilidade deste fármaco" na ULS Alto Alentejo. 

Como é feito o tratamento?

De acordo com o Hospital de Portalegre, “o tratamento é geralmente sintomático, focado na estabilização da vítima, controlo da dor, prevenção de infeções e monitorização de complicações”. 

A unidade de saúde do Alto Alentejo acrescenta ainda que “o encaminhamento das vítimas para unidades de referência visa, sobretudo, cuidados especializados e acompanhamento cirúrgico em casos mais graves, sendo que na larga maioria dos casos o controlo dos sintomas acontece fora do ambiente hospitalar, após alta médica".

Administração do antídoto deve ser feita nas primeiras seis horas

De acordo com a recomendação do CIAV, a administração do antídoto “deve ser feita nas primeiras seis horas”, pelo que “quanto mais depressa, melhor”. 

Quanto às consequências de uma administração tardia, Fátima Rato adianta que nunca teve “conhecimento de nenhum caso em que fosse necessário fazer amputação”, no entanto, “depende da reatividade individual” ao veneno. 

Responsável do CIAV defende stock mínimo em locais mais prováveis de ataques

À SIC, Fátima Rato explica que a disponibilidade do antídoto é “uma questão hospitalar” em que cada hospital define “os fármacos que tem e em que quantidades e as aquisições que faz”, portanto, acrescenta, “isso depende exclusivamente dos hospitais”.

Ainda assim, defende que “nas zonas onde é mais provável que isso aconteça, os hospitais devem, de facto, estar dotados de um stock mínimo”.

“Numa perspetiva de uma gestão correta, até regionalmente, os hospitais entre si podem ter 'x' ampolas cada um e depois, no imediato, na altura em que é preciso, se não tiverem, recorrerem a outro próximo e faz-se essa gestão”, afirma. 

Em todo o caso, na opinião da responsável, “os hospitais devem estar preparados para fazer face a estas situações”, mesmo as mais improváveis como, por exemplo, existir dois ou três ataques no mesmo dia.

Zonas mais montanhosas registam mais casos

A víbora-cornuda é uma espécie que existe em todo o território português, maioritariamente em zonas montanhosas. A mordidela não é letal, ainda assim é necessário tratá-la rapidamente caso ocorra.

Segundo a responsável do CIAV, “há zonas em Portugal, onde é mais frequente haver as mordidelas de víbora”, mas “pode acontecer em qualquer zona”, sendo “as zonas mais montanhosas e mais quentes” mais comuns. Exemplos disso são a Serra da Estrela ou zona do Gerês.

Ainda assim, Fátima Rato indica que já se registaram casos em Sintra.

Em caso de mordidela, o que fazer? 

Fátima Rato explica que se for mordido por uma víbora, a primeira coisa a fazer é ligar para o CIAV, através do 800 250 250, porque os profissionais deste centro de informação sabem distinguir mais facilmente que tipo de mordidela está em causa - se de uma cobra comum ou de uma víbora - e efetuar as recomendações mais indicadas para o caso em questão. 

“Nessa altura, também conseguimos orientar o doente para o sítio mais adequado para fazer face à situação clínica”, explica. 

Alguns conselhos relevantes mencionados pela médica do INEM são a imobilização do membro atingido e nunca fazer “aquilo que se vê nos filmes” como cortes na pele ou chupar o veneno. “Isso é altamente contraindicado”, sublinha a responsável. 

A par disso, pode “aplicar um bocadinho de frio numa primeira fase e até tomar um analgésico”, mas estas medidas servem apenas para um momento inicial pois é recomendado que recorra rapidamente a uma unidade de saúde. 

Caso não se recorde do número do CIAV, Fátima Rato aconselha a deslocação imediata a uma unidade de saúde porque as equipas médicas farão o contacto com o centro de informação para o tratamento e recomendações mais apropriadas.

“O circuito está assim definido e penso que funciona”, defende a responsável.