O Parlamento debateu e aprovou, esta tarde, e pela terceira vez, a despenalização da morte medicamente assistida, após dois vetos presidenciais. Em discussão e votação estavam iniciativas de PS, Bloco de Esquerda, PAN e IL que deixam cair a exigência de “doença fatal”. Chumbada foi a proposta do Chega para a realização de um referendo.
A Assembleia da República aprovou, na generalidade, os quatro projetos de PS, BE, IL e PAN que regulam a despenalização da morte medicamente assistida e seguem agora para o trabalho na especialidade.
Na votação dos quatro diplomas posicionaram-se a favor a maioria dos deputados da bancada do PS – incluindo o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias – e ainda o BE, Iniciativa Liberal e os deputados únicos do Livre, Rui Tavares, e do PAN, Inês Sousa Real.
Votaram contra as bancadas do Chega, do PCP e a esmagadora maioria dos deputados do PSD, incluindo o líder parlamentar, Paulo Mota Pinto, e o secretário-geral, José Silvano.
Esta é, saliente-se, a terceira vez que a despenalização da eutanásia é aprovada no Parlamento.
Chumbado referendo
A grande maioria da bancada do PSD – 59 deputados dos 70 que participaram nas votações – votaram a favor ao lado dos 12 deputados do Chega. Votaram contra o PS, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PCP, os deputados únicos do PAN e do Livre, bem como nove deputados do PSD.
O projeto do Chega foi assim rejeitado com 71 votos a favor, 147 contra e duas abstenções, também de deputados do PSD.
Entre os deputados do PSD que votaram contra o referendo contam-se o líder parlamentar Paulo Mota Pinto, que votou contra os quatro diplomas que visam despenalizar a eutanásia, e o vice-presidente da bancada e do partido André Coelho Lima, favorável às iniciativas despenalização.
Pelo contrário, a ‘vice’ da bancada social-democrata Catarina Rocha Ferreira, favorável às iniciativas de despenalização, também votou a favor da iniciativa de referendo (tinha votado contra a iniciativa de cidadãos que pedia uma consulta popular, em 2020).
Ausente da votação esteve o presidente do PSD, Rui Rio, em viagem na África do Sul e Moçambique para comemorar o 10 de Junho, que em votações anteriores foi contra o referendo à eutanásia e a favor da despenalização.
Em relação a outubro de 2020, quando tinha sido votada uma outra proposta de referendo sobre a morte medicamente assistida – na altura partindo de uma iniciativa popular com mais de 95 mil assinaturas – a IL mudou de posição, enquanto o Chega não esteve presente nessa ocasião.
Na altura, o então deputado único João Cotrim Figueiredo votou a favor e hoje todos os deputados da IL votaram contra. Já André Ventura, líder do Chega e na altura único representante do partido no parlamento, esteve ausente dessa votação.
Em 2020, na bancada do PSD, votaram contra o referendo nove deputados (o mesmo número de hoje, mas com uma composição diferente da bancada que tinha então mais dois deputados), entre eles André Coelho Lima, Mónica Quintela e Sofia Matos, que repetiram o mesmo voto hoje.
O projeto de resolução apresentado pelo Chega e hoje rejeitado propunha que os portugueses respondessem à pergunta: “Concorda que a morte medicamente assistida de uma pessoa, a seu pedido, ou a ajuda ao suicídio, devem continuar a ser punidas pela lei penal?“.
Cerca de meia centena em silêncio contra a Eutanásia
No dia em que a eutanásia voltou ao Parlamento, com a votação de projetos de lei do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal, a Federação pela Vida quis reforçar novamente a sua posição sobre um tema que a presidente, Isilda Pegado, diz não compreender como continua a ser discutido, depois do insucesso de sucessivas iniciativas legislativas anteriores.
Cerca de meia centena de pessoas juntaram-se em frente à Assembleia da República, quase sempre em silêncio, durante quase uma hora. Presentes estiveram deputados do Chega e membros do CDS-PP, reinou sobretudo um “silêncio de morte”, como destacava um dos cartazes, interrompido apenas por mensagens curtas que o vice-presidente da Federação entoava ao microfone.
“Está em aberto o caminho que venha a decidir”
O Presidente Marcelo recusa pronunciar-se sobre o tema. “Já mandei para o Tribunal Constitucional uma vez, vetei outra. Agora não conheço a lei, portanto está em aberto o caminho que venha a decidir”, afirmou Marcelo. Perante a insistência dos jornalistas, o chefe de Estado vincou que: “Querem à força que diga o que admito e eu à força digo que vamos esperar pela lei”.
Na anterior legislatura, a despenalização em certas condições da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal, reuniu maioria alargada na Assembleia da República, mas foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa.
Numa segunda vez, o decreto foi de novo rejeitado pelo Presidente depois de um veto político. O Presidente vetou este decreto em 26 de novembro, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.
Na nota justificativa do veto, Marcelo escreveu que no caso de a Assembleia da República querer “mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida”, optará por uma “visão mais radical ou drástica” e questionou se isso corresponde “ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.
Ao contrário do que acontece com os diplomas de acesso aos metadados ou de emergência sanitária, que o chefe de Estado já fez saber que vai enviar para o Tribunal Constitucional, no caso da eutanásia não se sabe ainda o que fará Marcelo Rebelo de Sousa após a sua provável aprovação pelo parlamento – que passará primeiro pela generalidade, especialidade e só depois votação final global, antes de regressar a Belém.