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Emigração de enfermeiros: o relato de uma portuguesa em Haia

Dois mil enfermeiros terão emigrado desde o início da pandemia de covid-19.

Emigração de enfermeiros: o relato de uma portuguesa em Haia

A declaração para efeitos de emigração é um dos documentos necessários para trabalhar como enfermeiro noutro país, e é pelo número de pedidos desse certificado que a Ordem deduz que tenham sido 2.143 a emigrar desde o início da pandemia.  

Em 2021, foram mais de 910 as declarações pedidas, a maior parte (636) depois de junho, altura em que os enfermeiros saem das escolas para o mercado de trabalho.  

Foi o que aconteceu com Raquel Simões, dois anos antes. 

Em abril de 2019, passou a viver em Haia. A escolha pela Holanda não levanta grandes dúvidas depois de ouvir as condições: 32 horas de trabalho semanais, com todas as horas extraordinárias pagas e progressão salarial anual. Desde o início da pandemia, a enfermeira conta o pagamento de dois bónus. O local de trabalho oferece a especialização e permite aos profissionais que trabalhem no serviço escolhido. 

O processo de escolha começou numa feira de emprego para profissionais de saúde. Raquel recorda recrutadores da Suécia, Noruega, Reino Unido e Holanda, o último dos quais parecia ter a oferta ideal. Foram 3 meses de curso de neerlandês intensivo em Espanha, com tudo pago. No fim, o recrutador foi o responsável pela procura de trabalho. 

No comunicado em que a Ordem divulga os dados sobre os enfermeiros portugueses que terão saído do país, estas campanhas de recrutamento são descritas como “muito agressivas” e informa que já tinha alertado para este tipo de práticas por parte de países europeus, mas também, por exemplo, dos Emirados Árabes Unidos, “que recebem, de ano para ano, cada vez mais profissionais portugueses”. 

Um ano de transição

Raquel lembra que o ano em que se mudou foi um ano de “transição”, também por causa do Brexit. Recorda que ouvia falar muito de enfermeiros portugueses no Reino Unido, mas que as escolhas acabaram por se diversificar ao longo dos anos. A Ordem dos Enfermeiros diz que, atualmente, o grande destaque vai para a Suíça. 

Os números de 2021 correspondem a cerca de um terço do número de profissionais formados por ano em Portugal. 

Em entrevista ao Jornal da Meia-Noite esta terça-feira, a Bastonária Ana Rita Cavaco diz que não há um problema de formação em Portugal, que há enfermeiros suficientes e aponta o dedo às condições de trabalho. 

“É um bocadinho triste dizer isto”, confessa Raquel Simões à SIC Notícias. “Eu já não pensava voltar a Portugal nos próximos anos, já era difícil trabalhar como enfermeira, pelo menos do meu ponto de vista e do que eu quero para o meu futuro, e agora só se complicou. Contratos de 4 meses?”, questiona. Aos 26 anos, sabe que só regressaria se pudesse manter o estilo de vida que conquistou em Haia. “Como é que uma pessoa consegue ter uma vida estável assim? Mesmo precisando de profissionais, os hospitais fazem contratos temporários, não há sentimento de estabilidade para os trabalhadores e isso é preciso”, declara. 

A falta de enfermeiros nos hospitais é um alerta recorrente da Ordem, que vê no mês das eleições a altura ideal para o apelo aos mecanismos de fixação de profissionais em Portugal. “É uma emergência, como já foi recomendado pela Organização Mundial da Saúde”, lê-se no site.  

Nota: no vídeo, foi dito por lapso “Ordem dos Médicos”, em vez de “Ordem dos Enfermeiros”.