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Augusto Santos Silva (parte 1): “O centro político tem dificuldade em comunicar com os jovens rapazes e isso é um problema”

É o nº 2 no top dos governantes portugueses com mais tempo em funções. Acima dele, só António Costa. Em vários Governos socialistas tutelou cinco pastas: foi ministro da Educação, da Defesa, da Cultura, dos Assuntos Parlamentares e dos Negócios Estrangeiros. Até março deste ano foi o número 2 da hierarquia do Estado, tendo sido substituído por Aguiar-Branco. Augusto Santos Silva recusa a ideia que não foi reeleito deputado porque enfureceu o eleitorado imigrante no Brasil por fazer frente ao Chega, e dá conta que dedicará o seu estudo à nova geração de rapazes que parecem ser os novos rebeldes ultrarradicais de direita. Ouçam-no nesta primeira parte da conversa com Bernardo Mendonça

Na memória de todos ficou a mão forte de Augusto Santos Silva com a ala da direita radical na AR, repreendendo Ventura por inúmeras vezes e sugerindo, numa dessas ocasiões, com refinada ironia, que Ventura se calasse com os seus protestos e se "inspirasse" no Buda, "que num dos seus sermões esteve calado, contemplando uma flor". E também disse: “O Chega considerar-me seu presidente” na AR seria “nódoa” no currículo.

Nas últimas eleições não foi reeleito deputado pelo círculo eleitoral europeu. Algumas vozes acharam que esse mau resultado era a fatura por ter provocado o Chega, o que enfurecera o eleitorado europeu.

A estratégia de fazer frente ao ódio e à intolerância na AR parece não ter resultado. Mas a estratégia inversa de Aguiar-Branco de alinhar com as ofensas e boçalidades do Chega também não, ao responder à Alexandra Leitão que “no seu entender”, os deputados podem classificar uma etnia ou raça, como “burra ou preguiçosa”.

Como olha Augusto Santos Silva para a linha oposta do seu sucessor? Qual a melhor maneira de tratar na casa democracia quem quer estourar com ela e com os seus valores, e não tem pudor em ofender, estigmatizar minorias, criar desinformação ou manipular vídeos? Estas e outras questões são-lhe colocadas nesta primeira parte.

Quem o conhece bem diz que além de muito inteligente, é cerebral, frio e tem um auto controlo fora de série. E ele que já foi pau para toda a obra em política - e tem sido tratado como uma voz obrigatória na estratégia dos vários governos socialistas e o ‘mastermind’ por ser um bom conselheiro, pacífico e consensual - define-se como “um cientista profissional.” E ele próprio refere-o por diversas vezes neste episódio.

Augusto Santos Silva é um homem com gosto pela cultura, que ouve música clássica para trabalhar, começa o dia a ler poesia, e gosta de ir à ópera e ao teatro. E é alguém com quem tanto posso discutir o novo plano de ação para as migrações, a guerra, ou o panorama contemporâneo das bandas punk em Portugal.

Augusto, como é tratado pelos mais próximos, confessa neste episódio que há sempre em si inquietação, inquietação, é só inquietação, inquietação - como na canção de José Mário Branco.
E quem vive nessa permanente inquietação como está a viver este afastamento da política ativa, em que o telefone não toca tanto?

Depois de sair da Assembleia da República, Augusto Santos Silva retomou a suas funções como professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde é visto como um docente muito civilizado, inteligente, culto, moderado e contido. Quase sem rasto do passado de troskista que tem no currículo.

Neste episódio Augusto Santos Silva não é manso com o governo da AD. “O governo vai ter que arrepiar caminho. Esta ideia de aprovar medidas que significam mais milhares de milhões em despesa, e menos milhares de milhões em receita é um caminho que só leva ao déficit, que leva à destruir a condição daquilo que é o capital mais importante que o país como tal conseguiu atingir nos últimos anos, que são as chamadas contas certas.”

E, para que OE de 2025 passe no Parlamento, Santos Silva é da opinião que Montenegro terá de mudar de estratégia com o PS.

“Para ser viabilizado o OE no parlamento há duas maneiras de raciocinar: uma é a maneira de Montenegro raciocinar, é dizer ‘eu sou governo, o PS é a oposição, e o que quer que seja que se proponha o PS tem a obrigação de viabilizar.’ Esse é o raciocínio errado. E há o raciocínio certo, que é o governo, que tem a iniciativa no debate orçamental, construir uma proposta que possa ser viabilizada no parlamento. Isto é, que incorpore, que signifique cedências, absorção de propostas de outros.”

“Não percebo nada disso, mas politicamente acho que é assim”, é uma frase que lhe é atribuída, por privilegiar a abordagem política à abordagem técnica aos temas de todos os dias. E aqui explica nesta primeira parte a razão disso. E muito mais.

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!

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