O Futuro do Futuro

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“Os sismos não matam, o que mata são as construções. Há 20 anos que são dados alertas e continuamos a construir hospitais sem proteção”

Portugal acordou esta segunda-feira, 26 de agosto, com o abalo de um sismo com epicentro a menos de 100 km de Lisboa, mas sentido de norte a sul do país. Oiça aqui Mónica Amaral Ferreira, especialista em resistência sísmica, numa entrevista ao podcast O Futuro do Futuro, publicada originalmente em outubro de 2023

“Os sismos não matam, o que mata são as construções. Há 20 anos que são dados alertas aos governos e continuamos a construir hospitais sem proteção”. A denúncia é de Mónica Amaral Ferreira, ao falar sobre a falta de resposta em caso de sismos, tanto nos hospitais, como nas escolas e creches em Portugal.

A investigadora do Instituto Superior Técnico afirma que a maioria dos quartéis de bombeiros portugueses poderá nem sequer abrir as portas depois de um sismo. Em 20 anos, a comunidade científica alertou vários governos, mas nem sequer o isolamento de base, que reduz a probabilidade de colapso, deverá ser colocado nos novos Hospitais de Évora e Lisboa.

Nos sismos, todos tendem a esquecer-se do silêncio. Do silêncio da lei que não obriga à instalação de proteções sísmicas em hospitais, escolas ou até creches; e do silêncio que especialistas na avaliação e mitigação dos efeitos do sismo, como Mónica Amaral Ferreira, captam depois de uma cidade inteira desabar e ficar sem vida.

“Temos muito conhecimento, e muitos alertas foram dados a vários governos e continuamos a pôr os hospitais sem isolamento de base”, denuncia a investigadora do Centro de Investigação, Inovação e Sustentabilidade de Engenharia Civil (CERIS), do Instituto Superior Técnico, de Lisboa.

Em entrevista ao podcast Futuro do Futuro, a especialista na resistência sísmica, que tem vindo a trabalhar com a Proteção Civil e a Câmara de Lisboa, admite que o isolamento de base, que reduz vibrações e probabilidades de colapso, esteja a ser rejeitado devido a razões orçamentais, mas lembra que esta proteção colocada na base de hospitais – ou outros edifícios – pode reduzir custos dos andares superiores, que já estão protegidos.

Apesar dos apelos, os novos hospitais de Évora e Lisboa Oriental não deverão ser apetrechados com isolamentos de base, diz Mónica Amaral Ferreira. “Os sismos não matam. O que mata são as construções”, sublinha a especialista do Instituto Superior Técnico.

Neste episódio do Podcast Futuro do Futuro, Mónica Amaral Ferreira foi a convidada

As palavras de Mónica Amaral Ferreira levam a concluir que as sucessivas autoridades não conseguiram impedir a reunião de todos os ingredientes que, um dia, poderão abrir caminho a uma tragédia irremediável. A denúncia começa na rejeição dos isolamentos de base, que reduzem vibrações e evitam que um hospital fique inutilizado depois do sismo, mas estende-se ainda à falta de fiscalização de construções ou alterações, que retiram as proteções anti-sísmicas, que evitam derrocadas.

“As creches, muitas vezes, funcionam no rés-do-chão de prédios de habitação. E estão lá crianças, bebés, que não conseguem de todo fugir ou ter um comportamento de autoproteção”, constata Mónica Amaral Ferreira.

Mesmo nos sectores da sociedade que são tidos como os mais sofisticados, o diagnóstico pode ser negativo – como acontece com os centros de dados que, além de não terem isolamento de base, não têm os servidores afixados a lajes.

E aos que acreditam que o remédio evita males maiores, Mónica Amaral Ferreira recorda: “A maior parte dos quartéis de bombeiros em Portugal encontra-se em edifícios que poderão não conseguir abrir as portas para os carros saírem (para acudir às emergências depois de um sismo)”.

Mónica Amaral Ferreira, investigadora do Instituto Superior Técnico, mostra uma peça de Lego que trouxe de uma das missões levadas a cabo na Turquia

Se no primeiro desafio, a investigadora do Técnico trouxe o som que captou numa visita à cidade de Áquila, em Itália, após o sismo de 2009, no desafio da imagem que costuma ser colocado neste podcast, a escolha recaiu sobre uma peça de Lego que encontrou nos escombros de uma das várias cidades arrasadas pelo recente terramoto na Turquia.

No currículo, a investigadora conta ainda com missões de estudo a locais sinistrados no Haiti, na China, em Espanha e no Japão – e em todos eles verifica que parte da tragédia se deve à incúria ou à falta de medidas das autoridades. Nalguns casos, há cidades inteiras que desaparecem – ou pelo menos, levam décadas a reerguer-se.

“As pessoas não vão ficar 10 anos à espera numa tenda”, concluiu sobre o êxodo que costuma seguir-se ao cataclismo.

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