Elaborados por mãos hábeis, que transmitem receitas de geração em geração, os petiscos do norte do país fazem jus à tradição de mesa farta, mesmo quando o momento é de petiscar. Do mar ao interior, nunca falta o bacalhau, “fiel amigo” de Braga, o polvo em diferentes confeções, intensos Rojões e as Papas de sarrabulho, prediletas em todo o Minho. A intensidade do fumeiro e do queijo transmontano harmoniza com diferentes vinhos. Seja verde, branco ou tinto, o copo e o prato cheios garantem também uma boa dose de conversa, a melhor justificação para as famosas tainadas, sem hora para terminar. É em redor de uma mesa farta que se celebra a arte da tainada na região norte, a partir da seleção de petiscos dos distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança, em destaque no novo guia “Tascas, Petiscos & Doces”.
Papas de serrabulho
Dita a crença popular que a Lua deve estar em quarto-crescente aquando da matança do porco. O sangue dará origem a um dos pratos favoritos do Minho, que tanto se come sozinho como serve de companhia ou introdução. A origem das Papas de sarrabulho remonta ao século XIV, época de escassez devido à peste negra. Prato de adaptação às circunstâncias difíceis, consistia na cozedura lenta de pão com sangue, oferecido aos mais pobres quando se matava um animal. Ao longo do tempo a abundância foi acrescentando ingredientes à base de pão ou farinha de milho, como galinha, porco e enchidos. Nasceram entretanto variantes como o Doce de sarrabulho, que à cartilha tradicional acrescenta açúcar, mel e canela. A Tulha, em Ponte de Lima, o Cruzeiro, em Amares, e o Sabor ao Borralho, em Arcos de Valdevez, são locais onde pode apreciar esta receita, com bosn exemplares confecionados por todo o Minho.
Tripas aos molhos
Prato emblemático de Vila Real, nasceu na década de 50 como aproveitamento de partes menos nobres de bovinos. A criação é atribuída a Maria Fernanda, mais velha de sete irmãs, que, órfã, tomou a seu cargo as lides da cozinha. Inspirada pela receita das Tripas enfarinhadas, terá feito uma adaptação a que chamou “Tripas aos molhinhos”. Abriu em 1947 a Casa de Pasto Chaxoila, em Vila Real, por força da vocação, onde nunca faltam as Tripas aos molhos nem o Joelho da porca, também com história para contar. As Tripas aos molhos podem ser provadas a solo, como entrada, ou acompanhadas de arroz branco, que absorve o molho denso e picante q. b. resultante de quatro horas de cozedura em fogo lento. São elaboradas com tradição na Casa Jorge “O Malcriado” , em Vila Real, onde também encontra “as maiores Pataniscas do mundo”.
Alheira de Mirandela
Com certificação IGP, em Mirandela a alheira ganha estatuto de embaixadora e conta as artimanhas dos judeus para não serem detetados na região, já que, por não consumirem porco, na origem a alheira era discretamente e apenas elaborada com carne de aves. Mas neste capítulo há muito mais para provar. Do presunto– a perna de porco salgada e fumada – passando pelo salpicão, achouriça de carne ou de sangue, aqui apelidada de moira, os enchidos de porco Bísaro de Bragança ou os afamados produtos produzidos em Vinhais, em Trás-os-Montes, até a abóbora tem direito a chouriça própria. Servido numa tábua, para começar a refeição, ou conferindo sabor a diversos pratos, o fumeiro regional é sinónimo de merenda transmontana e sabe bem a qualquer hora. Na Adega O Fumeiro ou na Casa de Padronelos, em Montalegre, na Casa do Pedro, em Boticas, ou na Casa de Souto Velho, em Vidago, o que chega à mesa é de produção própria.
Bola de Lamego
Data do início do século XIX o reconhecimento deste produto típico como emblemático da cidade que tem em Maria Baguinho a fiel depositária das receitas do antigo Convento de Lamego. Mas acredita-se que a origem remonta a 1139, ano em que D. Afonso Henriques foi aclamado rei de Portugal na Igreja de Santa Maria Maior de Almacave, em Lamego, tendo sido elaborada para celebrar o acontecimento. Certo é que se expandiu para toda a região do Douro, sendo hoje omnipresente em refeições, merendas e tainadas locais. De presunto, salpicão, sardinha, bacalhau, carne em vinha-d’alhos, fiambre, pá fumada ou até vegetariana, o recheio é envolto numa massa baixa, ligeiramente folhada. De preferência na companhia do espumante ou do vinho locais, prove o petisco tradicional na Pastelaria da Sé, vulgarmente conhecida por “Casa das Bolas” e grande impulsionadora da especialidade, ou na Pastelaria Scala, ambas na cidade de Lamego.
Frigideiras
“Divinais.” Assim descreveu Júlio Dinis, na obra “Serões da Província”, estes pastéis de massa folhada com recheio de carne de vitela e porco, igualmente denominados Frigideiras de Braga ou Frigideiras à moda de Braga. Também os escritores Almeida Garrett, na sua obra “Viagens na Minha Terra”, e Camilo Castelo Branco, em “A Bruxa de Monte Córdova”, as mencionam. Generosas no tamanho, em forma de círculo, fazem parte do património gastronómico da cidade. A receita original é mantida em segredo pelas várias gerações que atravessam a história do mais antigo estabelecimento de restauração de Braga, as Frigideiras do Cantinho, casa de portas abertas desde 1796. Uma remodelação deixou a descoberto achados arqueológicos da época romana. A partir dessa herança, pode provar o Bolo romano, adaptado de um antigo tratado gastronómico de Marco Gavius Apício, famoso escritor e gastrónomo do século I d. C.
Bolinhos de bacalhau
Bolinhos de bacalhau no Norte, Pastéis de bacalhau a Sul, são transversais a todo o país, como entrada, petisco ou mesmo prato principal, na companhia de Arroz de tomate, de feijão ou Salada de feijão-frade. É do Douro que surge a primeira referência a esta delícia, elaborada com batata, bacalhau, ovos, alho, cebola e salsa, na obra de 1841 “Arte do Cozinheiro e do Copeiro”, da autoria do Visconde de Vilarinho de S. Romão, embora diferente da que hoje se conhece. A receita foi-se alterando ao longo dos anos e da experiência até aos atuais, aveludados por dentro, estaladiços por fora quando acabados de fritar. A origem minhota é asseverada por Maria de Lourdes Modesto e Maria Emília Cancella de Abreu, bem como na obra “A Cozinha do Minho”, de Alfredo Saramago. Servem-se bem apaladados N’O Victor, “rei do bacalhau”, na Póvoa de Lanhoso.