Geração 70

“O homem que mordeu o cão” e “uma tipa fixe”: a família, a infância e os receios dos irmãos Markl

O passado, o presente e o futuro de Ana e Nuno Markl que, juntos, conversam sobre família, infância, raízes, o bairro de Benfica e o impacto que teve terem crescido nos anos 80 e 90.

“O homem que mordeu o cão” e “uma tipa fixe”: a família, a infância e os receios dos irmãos Markl
Nuno Fox

Os irmãos Markl são duas figuras incontornáveis da rádio, da televisão e das redes sociais mas, garantem, nem sempre estão confortáveis com tanta exposição mediática. A “ditadura das audiências” assusta-os mas pior é a ditadura do ódio que se está a instalar no debate político.

Na sua pedra tumular, Nuno diz que pode estar inscrito: “o homem que mordeu o cão”. Ana preferia que a sua tivesse escrito: “aqui está uma tipa fixe”.

O pai "zangava-se muito com os amigos por causa da política"

Cresceram e viveram entre as freguesias de Benfica e de São Domingos de Benfica, onde vivia a avó. Hoje chamam-lhe o “planeta Benfica”. Nuno nasceu em 1971 e Ana em 1979. O apelido Markl vem do avô paterno, um luso-austríaco que se instalou em Portugal.

Nuno Markl recorda o processo revolucionário onde “tudo era muito intenso”. Em casa, o pai "zangava-se muito com os amigos por causa da política" e hoje as pessoas estão a zangar-se outra vez.

Ele estudou no Jardim Infantil Pestalozzi, ela já não teve a mesma “sorte”, foi para a escola pública: “tive professoras que escreviam muito mal português”. Ana chegou ao mundo já quase nos anos 80, a “década de ouro” da Rádio Comercial com o Herman José e o “Rebéubéu Pardais ao Ninho”.

A paixão pela rádio vem de pequena, sempre ao lado do irmão mais velho com quem partilhava quarto. Passavam horas a inventar programas.

A menina rebelde e o irmão estilo “nerd”

Ana era a menina rebelde, gostava de “desafiar os pais”, amigos anarquistas, botas da tropa, cabelo pintado, vegetariana e notívaga. “Era uma introvertida extrovertida”, sublinha. Nuno era mais estilo “nerd”, assim que metia o pé numa discoteca já estava a pensar no regresso a casa.

“Fazer rádio era ótimo. Gostava de estar no meu canto e ali ninguém precisava de ver a minha cara”.

O gosto pela cultura e pelas artes vinha de casa. Filhos de um cartonista de esquerda e militante comunista. “Para mim aquilo eram tudo bonecos e eu quando desenhava misturava o Ramalho Eanes com a Heidi”, conta o filho.

"A minha prima não percebia como podia estar a ouvir Leonard Cohen?”

Os pais eram funcionários públicos, não faltava nada em casa mas não viviam à larga. A infância ficou marcada pela morte da avó, “foi a primeira grande perda, levou a que se vendesse muita coisa”. Foi nesta altura, nas idas ao videoclube, que Nuno assumiu o estatuto de irmão mais velho e começou a mostrar à irmã “o que era música e cinema” a sério.

Nuno e Ana recordam a infância marcada pela doença e morte da avó mas também pelas discussões com o pai - o “dono da televisão” - que não queria que vissem novelas.

Ana conta ainda que quando ia de férias pedia ao irmão para lhe gravar umas cassetes, as músicas escolhidas causavam espanto: "a minha prima não percebia como podia estar a ouvir Leonard Cohen?”

A juventude ficou também marcada por longas emissões de rádio gravadas no quarto.

“O meu filho viciou-me no Minecraft”

Hoje, os irmãos olham para os filhos com preocupação. Pelos perigos que chegam pelos telemóveis - “o meu filho viciou-me no Minecraft, mas pior são os reels que devem deixar o cérebro amolgado” - mas também pela política de “ódio” que se instalou no debate público.

Ana conta que no domingo de eleições quando viu os resultados ficou assustada: “fui dar muitos beijinhos ao meu filho e disse-lhe o que será de nós?”

Durante a conversa diz, em tom de desabafo: “quando em criança me falavam do fascismo achava que o assunto estava arrumado…".

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.