Geração 70

"Ninguém explica (aos artistas) para não gastarem o dinheiro todo, porque vão ter de pagar metade às finanças”

Pisou o palco bem cedo, sempre com o irmão. Primeiro, a cantar aos fins de semana, depois no "Sétimo Céu", mas foi com os Anjos que, no fim dos anos 90, mostraram ao País êxitos como "Ficarei", "Perdoa" ou “Quero Voltar”. Desta vez sem o irmão, Nelson Rosado fala da infância na Margem Sul, da família e da vida de artista.
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Nelson Rosado nasceu em fevereiro de 1976 e desde muito novo que tem uma relação especial com a música e o mundo do espetáculo. O pai tocava acordeão e a mãe cantava fado em festas. Ele e o irmão pisaram cedo o palco, sempre juntos, a cantar aos fins de semana. Integraram a banda "Sétimo Céu", mas foi sol de pouca dura. Bateram com a porta e formaram os "Anjos".

“A indústria da música na altura dos Anjos era como a loucura no mercado de transferências de futebol, sem os mesmos valores. Criámos os Anjos escondidos na aldeia, em Aljustrel, para estruturarmos o projeto, a recebermos muitos contactos de produtoras”.

Apesar do sucesso da banda, Nelson Rosado recorda que nem tudo foi um mar de rosas.

"Algumas rádios nacionais tinham relutância em passar Anjos, mas cada vez há menos complexos com a música pop portuguesa. Na altura, cantar em português era uma dificuldade, e fomos dos poucos naquele boom do nosso género musical a fazê-lo".

“Portugal não é só Porto e Lisboa, a cultura não é só das elites”

Nelson reforça a importância da televisão no percurso que percorreu ao lado do irmão Sérgio.

“A televisão transportou-nos para a casa das pessoas. O Big Show SIC tem um papel importantíssimo. Porque Portugal não é só Porto e Lisboa, a cultura não é só das elites. Um estudo indicou que conseguíamos chegar da classe A até à última, ainda hoje sentimos isso.”

Acredita que é “cada vez mais difícil viver da música, há cada vez mais intervenientes”, e salienta uma falta de acompanhamento pedagógico junto de quem tem sucesso.

"Ninguém lhes explica para não gastarem o dinheiro todo, porque para o ano vão ter de pagar metade às finanças. Tentar poupar e investir na carreira, isso ninguém explica. Nós tivemos sorte de vir de origens humildes, de uma família estruturada, que sabe o que custa ganhar a vida. Dá para viver da música se tiveres algum sucesso, se não vives da música ao fim de semana".

No ano em que celebram 25 anos de carreira, os Anjos vão subir ao palco da MEO Arena, no dia 28 de dezembro, com as bandas sinfónicas da GNR e da PSP.

Muitas famílias foram destruídas

Durante a conversa, Nelson Rosado conta ainda como foi crescer na Margem Sul, nos anos 70 e 80, onde ainda hoje vive.

"No final da década de 80 a comunidade da Margem Sul era muito trabalhadora, tradicional, mas debatia-se com problemas de droga. Assisti a filhos mais velhos do que eu que passaram por flagelos incríveis. Muitas famílias bem estruturadas, com boas condições de vida, foram destruídas".

Nelson sente-se privilegiado por ter crescido numa família estruturada, com origens humildes. Em casa, não debatiam política, mas eram mais à esquerda.

“O meu avô Paulino, do Alentejo, era um fervoroso apoiante do Partido Socialista. O meu pai cresceu a ouvir Álvaro Cunhal, nessa altura votava na CDU. Crescemos neste ambiente mais à esquerda, mas na evolução das nossas vidas, ao perceber as ideologias, veio uma desilusão, porque às vezes o que se apregoa não se pratica. Não só com o comunismo.”

"Lembro-me bem das manifestações no tempo de Cavaco Silva”

O músico relembra as contestações sociais que eram tema de conversa na escola.

"Lembro-me bem das manifestações no tempo de Cavaco Silva. Cheguei a ir até à Assembleia da República, numa grande manifestação estudantil, por causa da Prova Geral de Acesso. Toda a gente se manifestou, não fomos repreendidos pela polícia porque todos souberam comportar-se", afirma o mais velho dos irmãos Rosado.

Nelson não teve receio de se envolver na política e afirma que apoiou políticos de esquerda e de direita. “Cheguei a apoiar projetos da CDU, do PS e do PSD. Porque conheces as pessoas e sabes a ideia do projeto, nas autárquicas votas pelas pessoas”, explica.

“Foi como jogar um fósforo para um palheiro"

Quanto ao “desaparecimento” dos partidos de esquerda e consequente crescimento do Chega, Nelson Rosado diz que nasceu de um descontentamento geral.

“Comecei a perceber o fenómeno do crescimento do Chega mais cedo, porque faço parte das conversas de café, tenho um refúgio no Alto Alentejo, no concelho do Alandroal. Comecei a sentir um descontentamento agudo com problemas fundamentais, como a agricultura. E de repente pessoas de quadrantes políticos completamente opostos alinhavam naquele discurso. Foi como jogar um fósforo para um palheiro".

“Geração 70“ é uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam.

Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão.