Grande Reportagem SIC

Esqueci-me de mim

Francisca sai de casa sozinha e não consegue voltar. Mário sabe que trabalhou toda a vida no mesmo banco, mas não se recorda qual. O baile terminou há minutos, mas Hermínia já não se lembra de ter dançado. Pouco depois da resposta, Maria da Graça repete a pergunta.

São quatro dos mais de 250 mil portugueses que sofrem de uma doença degenerativa que corrói as capacidades cognitivas e intelectuais. Que lhes leva a memória, a linguagem, a orientação. Que os faz esquecer dos outros e de si próprios. Uma doença que nos afectaria a todos - garantem estudos recentes - se vivêssemos todos até aos 120 anos.



O que no passado se encarava como perda de juízo, arteriosclerose ou simples consequência da idade é hoje reconhecido pela medicina como demência. Implacáveis na perda das capacidades mentais, o Alzheimer e as outras duas demências identificadas pela ciência - demência Fronto-Temporal e demência dos Corpos de Levy - levam os doentes para um caminho sem retorno de isolamento e dependência.



O centro de dia da Associação de Familiares e Amigos de Doentes de Alzheimer é o único em todo o país sem fins lucrativos. O único cuja mensalidade está ao alcance de todos os orçamentos. Tem uma lista de espera de mais de dois anos.



Entre a falta de respostas estatais e as altas mensalidades das instituições privadas - que descobriram as fragilidades do Estado nesta matéria - as famílias estão condenadas a lidar sozinhas com doenças demasiado pesadas.



O que provoca a morte celular que conduz às demências é ainda um mistério para a ciência: por enquanto só estão identificadas as alterações que estas doenças vão impondo ao cérebro - e sem conhecer as causas não é possível chegar à cura.



Sabe-se apenas que está menos exposto às demências quem tem mais actividade intelectual: quem pratica a leitura e a memorização, quem fala mais línguas, quem - nas palavras do neurologista Alexandre Castro Caldas - tem mais "exigência mental" .



Não têm e talvez nunca venham a ter cura, mas as demências podem ser vividas de uma forma mais digna para os doentes e para as famílias.



Os poucos exemplos que confirmam a regra que o Estado devia seguir provam que demências como o Alzheimer - cuja incidência cresce com a esperança média de vida - não têm de condenar ao isolamento, ao preconceito e à exclusão.



Susana André

Jornalista




Jornalista: Susana André

Imagem: Jorge Pelicano

Edição de Imagem: Marco Carrasqueira

Grafismo: Paulo Alves

Produção: Isabel Mendonça e João Nuno Assunção

Coordenação: Daniel Cruzeiro

Direcção: Alcides Vieira