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Daniel e Daniela: como é ser pai aos 71 anos?

Daniel e Daniela: como é ser pai aos 71 anos?
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Que educação dar a uma filha quando o tempo de vida já é curto? E que legado deixar? Daniel Nunes, esse pai tardio, decidiu que não bastavam a escola e os seus 40 mil livros. Tinha de levar a filha Daniela, de 12 anos, a ver o mundo que ele viu.

Juntos embarcam numa viagem às raízes africanas. Começaram por Cabo Verde, terra onde Daniel nasceu, visitaram São Tomé e Príncipe, onde foi agrónomo e terminaram na Guiné-Bissau onde Daniela irá reencontrar a mãe.

Nos leilões de livros raros Daniel Nunes não precisa de apresentações. É dono de uma das maiores bibliotecas do mundo sobre África lusófona. Historiadores, investidores e caçadores de tesouros são visita habitual de sua casa, onde vão admirar os 40.000 livros que calcula ter sobre escravatura, etnografia, racismo e Descobrimentos.

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Foi este bibliófilo que aos 71 anos teve uma filha, fruto de uma relação extraconjugal. “Foram os piores anos da minha vida pois tinha de contar à minha mulher e não tinha coragem”. Mais tarde, quando enviuvou, Daniel mandou vir a filha da Guiné-Bissau, para lhe proporcionar uma educação europeia.

Daniela tinha nove anos quando chegou. Perdeu o enquadramento familiar guineense e ganhou outro: o do pai, em Lisboa. Em Portugal, fez amigos rapidamente. Não estranhou a mudança de escola, nem deixou de ser uma das melhores alunas com nome no quadro de honra.

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Mas para Daniel não chegava a escola, nem a sua imensa biblioteca. Queria mostrar à filha as suas raízes. E falar-lhe, sem preconceitos, sobre mestiçagem, colonialismo e escravatura. Como costuma dizer, em tom de brincadeira, quer prepará-la para ser “presidente da República de todos e pretos e de alguns brancos”. Ela responde-lhe que quer ser médica.

A primeira paragem desta jornada de pai e filha foi Cabo Verde, onde Daniel Nunes nasceu em 1935. Foi um dos dez filhos de Clara Monteiro, uma cabo-verdiana negra, e de Luís Nunes, branco, nascido em Lisboa e destacado para professor de liceu na antiga colónia. Sendo um filho da elite da administração pública, Daniel pode continuar os estudos e com 16 anos, mudou-se para Portugal onde se formou em agronomia.

“Conheci todos os africanos - brancos e pretos - que passaram por Portugal entre 1950 e 1960. Porque em Portugal só havia 2 tipos de preto: estudante ou jogador de futebol.” Aos 83 anos, Daniel Nunes é uma testemunha viva do que se passou desde a era colonial ao tempo das elites africanas que estão agora no poder e que nasceram no tempo dos estudantes formados nas universidades portuguesas – o chamado grupo da Casa dos Estudantes do Império.

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A segunda paragem da viagem foi São Tomé e Príncipe, onde Daniel trabalhou como agrónomo. Foi aí que teve os seus dois filhos e casou com Lurdes Amorim, descendente de uma da família proprietária de cacau.

Depois da descolonização, teve de se mudar com a mulher e os filhos para Portugal, recomeçando do zero num país onde nenhum deles tinha raízes, deixando para trás 15 anos de função pública como agrónomo ao serviço do Ministério da Agricultura português.

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Por fim, a Guiné-Bissau, onde Daniela nasceu e onde tinha encontro marcado com a mãe, com quem não estava há quatro anos. Daniel Nunes conheceu a mãe de Daniela quando estava na Guiné, a trabalhar num projeto agrícola. Ela, entretanto, teve mais dois filhos e é hoje dona de uma escola de cozinha em Bissau.

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Depois de passar uma temporada com a família materna, de assistir a algumas das tradições locais e observar a sua terra natal, chega a hora da despedida. Délbora Costa, a mãe de Daniela, abdicou da filha para que ela possa usufruir de um futuro melhor. “Tens de te portar bem. E na escola também, não podes brincar.... És a minha futura doutora!”

(a versão integral desta reportagem pode ser vista em Opto.sic.pt)

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