Tiago Correia

Comentador SIC Notícias

Saúde e Bem-estar

Dados lançados: o que se joga na saúde 

“O passado mostra que a sobrevivência política dos ministros da saúde não depende de maiorias absolutas, de primeiros-ministros combativos e protetores dos seus ministros, nem de vitórias do passado perante a força do tempo presente.”

Dados lançados: o que se joga na saúde 

A política de saúde tem estado ao rubro e os sinais não apontam para uma situação conjuntural. Dificilmente a ministra da saúde deixará de estar na berlinda perante cada problema do SNS. Isto porque o ciclo político mudou e não é possível ignorar o quanto a equipa ministerial parece ainda procurar a melhor forma de gerir esta realidade. O facto de os anteriores aliados terem passado a inimigos engrossa a contestação e obriga a novas soluções. Também, porque da esquerda à direita instalou-se a ideia de que o governo estaria inerte e sem interesse em prosseguir as reformas que o setor precisa.

Mais vale aceitar as circunstâncias porque o passado mostra que a sobrevivência política dos ministros da saúde não depende de maiorias absolutas, de primeiros-ministros combativos e protetores dos seus ministros, nem de vitórias do passado perante a força do tempo presente.

A força do tempo presente joga-se em torno de dois temas e é possível que o desfecho destes temas determine o futuro político dos atuais intervenientes. Os dois temas são o encerramento das urgências de obstetrícia e o novo estatuto do SNS.

Encerramento das urgências de obstetrícia

As propostas conhecidas até ao momento não dão garantia de resolução. Por um lado, a reorganização da rede de referenciação. Atacar o problema por aqui parece acertado, contudo os resultados não são imediatos e dependem do sucesso das respostas imediatas. Por outro lado, entre as respostas imediatas está a harmonização dos preços a pagar às empresas e aos médicos em regime de prestação de serviço perante o “leilão de preços” a que se assiste. Contudo, esta solução está longe de produzir os efeitos pretendidos.

Um resultado plausível é a diminuição da oferta destes serviços que se refletirá no fecho mais prolongado de mais urgências. É um resultado plausível porque a ideia original de ir distribuindo os médicos em função das necessidades dos hospitais não é juridicamente possível.

Logo, a dependência dos médicos em regime de prestação de serviço no imediato é insuperável. A possibilidade está em aumentar o valor pago em horas extraordinárias aos médicos do quadro, mas perante a falta estrutural de médicos e a menor disponibilidade destes profissionais para acumular trabalho, a falta de oferta permanece.

A solução passa pela conjugação de várias medidas: garantir o aumento da oferta de profissionais, discutir formas de trabalho colaborativo com enfermeiros especialistas em saúde materna e abrir processos negociais para a revisão das carreiras no SNS e dos acordos coletivos de trabalho no setor privado.

Enquanto estas medidas parecem incontornáveis para a resolução do problema da falta de médicos, os sinais não dão certeza quanto à vontade política para os enfrentar.

Estatuto no SNS

Por fim será aprovado em conselho de ministros desta semana. Há expetativa em torno do documento porque concretiza a forma como o SNS irá funcionar no quadro de uma nova Lei de Bases da Saúde. A expectativa é tanto maior quanto mais se sabe que Marta Temido colocou aí a resposta aos principais problemas do SNS. Logo, a persistência dos problemas perante um novo estatuto do SNS retirará ação política à ministra.

Por isso, sinalizo desde já duas ordens de problemas. Uma é que qualquer peça legislativa não tem força intrínseca se não for acompanhada pela genuína vontade política dos decisores. Até prova em contrário, a força política e a vontade de introduzir reformas no sistema de saúde, indo além de uma gestão corrente dos problemas, carecem de efetividade. Entre os vários exemplos não há como não olhar para propostas de melhoria da articulação de cuidados no SNS, incluindo as urgências, que ficaram na gaveta há um ano.

A segunda ordem de problemas tem a ver com a qualidade do estatuto do SNS. Há que aguardar pela redação final, mas as versões preliminares mostram desarticulações. Em concreto, o papel que o novo “CEO” do SNS irá desempenhar perante a tutela, os hospitais e centros de saúde na contratação de profissionais. E isto é ainda mais complexo num quadro político de descentralização de competências para os municípios, onde se incluem alguns profissionais de saúde. Há uma dificuldade de perceber o sentido estrutural das reformas, que mostram uma tendência ora centralizadora ora descentralizadora.

O novo quadro organizador da atividade do SNS não pode ser tão confuso nem indefinido, sob pena de aos problemas anteriores serem adicionados novos problemas. Os dados estão lançados.