Saúde e Bem-estar

Trocar a dor pelo prazer e deixar o sexo acontecer

Opinião de Raquel Cristóvão, fisioterapeuta. Porque falar sobre sexo pode ainda ser tabu, considero que é um tema que não deve ser deixado de lado quando falamos de preparar casais para o parto e para o nascimento. Sexo sim, sem dor e com prazer, assim deve acontecer.
Trocar a dor pelo prazer e deixar o sexo acontecer
B2M Productions

A dor é uma experiência complexa e de uma grande subjetividade. Toma grande parte do nosso dia, tolda o nosso pensamento, condiciona os nossos relacionamentos e as nossas ações. Poderia estar a descrever qualquer dor em geral. Todos nós já sofremos alguma. Mas será que imaginamos o que é experimentar uma dor que surge num momento em que as sensações deveriam ser exatamente opostas? Em que o suposto seria vivenciar um “lugar” confortável, desejado, sentir prazer em vez de dor?

A dor durante a relação sexual, seja ela penetrativa ou não, é uma realidade e abrange homens e mulheres. Um estudo sobre a prevalência das disfunções sexuais femininas revela que, em Portugal, cerca de 56% das mulheres apresentam disfunção sexual e aproximadamente 34% indicam dor ou desconforto durante a relação sexual, sendo que a prevalência de disfunção sexual de grau moderada a grave é de 19%.

São vários os motivos que podem levar a mulher a ter dor na relação sexual, como por exemplo, quando os músculos do pavimento pélvico não conseguem relaxar, por causas hormonais, pela cicatrização perineal após o parto, por questões emocionais, após cirurgias, por infeções, por doenças inflamatórias, por alterações na anatomia ou devido a efeitos da medicação.

Algumas mulheres referem ter dor na relação sexual durante a gravidez, outras após o parto, sendo que muitas já a tinham desde as primeiras experiências sexuais e há também casos de mulheres que revelam ter dor apenas com a chegada da menopausa.

A gravidez e o pós-parto são fases da vida da mulher acompanhados não só por transformações físicas como emocionais. Após o parto o corpo é outro, um corpo a que a própria mulher não está habituada, não reconhece, muitas vezes não aceita e não quer partilhar, nem com quem tinha intimidade. Mas este corpo não merece menos do que admiração e amor, do que cuidado e respeito.

É urgente tirar o foco da penetração e redescobrir este novo corpo, aprender outras formas de sentir prazer, de o aceitar e amar, sozinha ou acompanhada, sem receio de expor o que sente e deseja. Este é o caminho para que o sexo seja prazeroso ao invés de doloroso.

Nunca devemos normalizar a dor

Uma coisa é certa, seja em que momento da vida for, nunca devemos normalizar a dor. Existem vários fatores que podem contribuir para este tipo de dor, mas será que há solução?

A resposta é um grande: sim.

É um caminho que pode ser longo, e independentemente do tempo que tenha decorrido, desde que bem acompanhado, pela minha experiência posso afirmar que aos poucos começa a ser avistada luz ao fundo do túnel.

Deste percurso faz sempre parte a avaliação médica, de forma a descartar possíveis lesões ou infeções, mas o acompanhamento em psicoterapia e pela fisioterapia em saúde pélvica tornam-se cruciais para a sua resolução e para tornar todo este caminho mais prazeroso e saudável. Foi também assim que nasceu o Programa da Gravidez à Parentalidade, no qual tenho o privilégio de acompanhar e capacitar futuros pais e onde abordamos estes aspetos fundamentais e cada vez mais valorizados, não só pela mulher, mas pelo casal.

Porque falar sobre sexo pode ainda ser tabu, considero que é um tema que não deve ser deixado de lado quando falamos de preparar casais para o parto e para o nascimento. Ao fazê-lo, estamos também a antecipar uma nova realidade que se aproxima, não só com a chegada do bebé, mas com todas as transformações que ocorrem no corpo da mulher. Sexo sim, sem dor e com prazer, assim deve acontecer.