Saúde e Bem-estar

Champanhe ou vinho branco reduzem risco de morte súbita cardíaca? Cardiologista explica

Um estudo de grande dimensão sugere que o consumo de champanhe ou vinho branco é um dos fatores que pode reduzir o risco de morte súbita cardíaca. Foram observados 500 mil indivíduos no Reino Unido ao longo de quase 14 anos, mas será que podemos concluir que beber mais champanhe previne a morte súbita?

Champanhe ou vinho branco reduzem risco de morte súbita cardíaca? Cardiologista explica
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Em Portugal, estima-se que todos os anos cerca de 10 mil pessoas sejam vítimas de morte súbita, de acordo com a Fundação Portuguesa de Cardiologia. Os dados revelam que após cinco minutos sem assistência, a vítima tem apenas 50% de probabilidade em sobreviver e que o cérebro sobrevive três a cinco minutos sem oxigénio. Agora, surge um novo estudo que aponta para fatores surpreendentes que podem ajudar a reduzir o risco.

E a palavra-chave é mesmo "podem" (mas já lá vamos). O estudo foi publicado no Canadian Journal of Cardiology em julho de 2025 e identificou 56 fatores modificáveis ​​associados à morte súbita cardíaca, com base em dados de saúde de mais de 500 mil pessoas no Reino Unido. Os resultados destacam como o estilo de vida pode desempenhar um papel importante na prevenção desta condição que representa "20% de todas as mortes, com uma incidência de cerca de 1 por 1000 habitantes/ano", segundo a Fundação Portuguesa de Cardiologia.

Em termos genéricos, o estudo conclui, através de uma análise de randomização mendeliana, que "maiores taxas de consumo de champanhe e/ou vinho branco e ingestão de frutas" estão associadas a um menor risco de morte súbita.

No entanto, esta associação não significa que haja causa-efeito, como explica à SIC Notícias Ricardo Ladeiras Lopes, cardiologista no Hospital da Luz e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

"Não está provado que exista uma relação causa-efeito entre beber champanhe e prevenir morte súbita cardíaca", defende.

Ladeiras Lopes sublinha que "não podemos tirar essa conclusão", até porque "não existe evidência robusta" nesse sentido, e o artigo diz claramente isso ao usar a palavra "pode" neste contexto. A metodologia usada denomina-se randomização mendeliana e é "sofisticada", aponta o cardiologista, mas apresenta limitações. Ou seja, é feito um "sorteio genético" para que este não seja um fator condicionante dos resultados, mas, depois, existem outros fatores que não são controláveis e causam "confundimento".

O médico dá o exemplo hipotético de se analisar na população em geral "quem é que tem isqueiros" e "quem tem cancro do pulmão": "Nós, provavelmente, vamos encontrar uma associação entre ter isqueiros e ter cancro do pulmão. Mas não são os isqueiros que causam cancro do pulmão. É o ato de fumar."

"O problema [neste tipo de estudos observacionais] é que há outras variáveis que não são medidas", destaca o cardiologista.

Ora o consumo de champanhe ou vinho branco poderá ser associado a um menor risco, segundo o estudo, mas não significa que seja a causa uma vez que aqui não entra, por exemplo, a variável do estilo de vida. Poderá ser essa variável que determina - essa sim - o menor risco de morte súbita e não o ato de beber mais champanhe.

Portanto, "esta metodologia de alguma forma tenta remover este confundimento natural [a questão genética], mas não consegue controlar todo o tipo de confundimento ambiental que existe, ou seja, os outros fatores variáveis", esclarece.

"Uma pessoa que consuma mais champanhe, por exemplo, pode ter também um estilo de vida e uma vida relativamente melhor, portanto, ser uma pessoa mais bem sucedida, ser uma pessoa com maior capacidade económica", explica Ladeiras Lopes.

A extensa base de dados observada também pode representar um problema, aumentando a probabilidade de associação deste tipo de fatores não querendo necessariamente dizer que exista causa-efeito.

Poderíamos provar que o consumo de champanhe é benéfico?

Ladeiras Lopes sugere que "a chave para responder a isto" é através de "um estudo randomizado, mas em termos de exposição, ou seja, pegar em 100 mil pessoas e metade consumia champanhe durante 10 anos e a outra metade não".

Depois, "íamos ver quantas é que morriam subitamente de doença cardíaca". Na opinião do cardiologista, só aí "podemos tirar conclusões", mas este tipo de estudo, considera, "é impossível".

"Temos, por outro lado, disponíveis estudos, quer com comportamento em termos de estilo de vida, quer com tipos de dieta, que foram feitos de forma randomizada e que provaram que hábitos de dieta e atividade física têm efeitos positivos", remata o especialista.

Consumo de álcool é recomendado?

Quanto ao consumo de álcool por si só, o médico aponta que se estivermos a falar de alguém com doença cardíaca, "o álcool acaba por ser um cardiotóxico".

"Portanto, quem tem uma lesão já estabelecida de alguma forma, o álcool pode agravar a condição e neste tipo de pessoas dificilmente é recomendável consumir álcool", explica o cardiologista.

Já no caso de pessoas saudáveis, sem doença cardíaca conhecida, Ladeira Lopes afirma que as "recomendações nutricionais habituais das sociedades científicas e da OMS" são de que "o mais saudável é beber água", mas um "consumo ligeiro a moderado - mas, acima de tudo, ligeiro" não é prejudicial.

Em termos dos tipos de bebidas, o professor aponta que em teoria, o vinho tinto é "o menos nocivo" porque "tem um conjunto de substâncias, comparativamente ao vinho branco e ao champanhe, por exemplo, que de alguma forma estão associadas ao efeito antioxidante".

"Dentro de uma dieta equilibrada, saudável, o consumo - no máximo moderado - não parece ter um componente deletério", conclui.