Parece à primeira vista um tema light. Talvez, em grande parte, por abordagens simplistas, soltas e de autoajuda por parte de oradores ditos motivacionais, mas sem qualquer substrato da ciência psicológica, mesmo quando o tópico da compaixão já resultou, inclusive, num avanço da intervenção conhecida como terapia focada na compaixão.
A compaixão pode ser exercida pelo ser humano para consigo mesmo, seja quando as circunstâncias externas de vida são difíceis de suportar, ou o sofrimento resulta das próprias escolhas ou dificuldades pessoais. A autocompaixão é uma forma de se relacionar consigo próprio(a), particularmente com o sofrimento que possa sentir.
Uma das suas componentes é a tendência para ser cuidadoso(a) e compreensivo(a) consigo próprio(a) e não severamente crítico(a) ou julgador. A noção de humanidade, central à autocompaixão, implica reconhecer que todas as pessoas falham, cometem erros, e sentem-se inadequadas de alguma forma, uma vez que a imperfeição é parte da condição humana.
Muitas vezes, as pessoas sentem-se isoladas quando consideram que as falhas pessoais ou momentos difíceis não fazem parte da vida humana, como se ter fraquezas ou passar por dificuldades não fizesse parte da vida do comum dos mortais. Este é um processo irracional representado pela questão “porquê eu?” que causa fortes sentimentos de desconexão. Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que se está a sofrer para se poder sentir compaixão para consigo próprio(a).
Embora possa parecer que o sofrimento pessoal é óbvio, muitas pessoas não param para reconhecer a sua própria dor e consequentemente mobilizar-se para a sua resolução. Por sua vez, pode cair-se no exagero e numa fixação obsessiva em pensamentos e emoções negativas, numa lógica de espiral em que não se consegue ver a si próprio(a) ou a situação difícil em que se encontra de forma clara.
A autocompaixão está relacionada com o bem-estar, porque contribui para que as pessoas se sintam seguras e protegidas. Uma perspetiva possível associa a autocompaixão à estimulação de hormonas de cuidado (oxitocina) e diminuição do ritmo cardíaco que permitem sentimentos de segurança e conexão emocional com o próprio e com os outros.
A investigação descobriu que a autocompaixão e a autoestima estão relacionadas entre si, tornando-se provável que as pessoas que não possuem autocompaixão tenham diminuído os seus sentimentos de autoestima por serem tão autocríticas e duras consigo próprias.
Em contraste, as pessoas com altos níveis de autocompaixão são suscetíveis de ter sentimentos de autoestima mais elevados, porque são mais amáveis e se aceitam melhor a si próprias. A autocompaixão é, por isso, um preditor significativo de felicidade e uma fonte de autoestima, constituindo um benefício para a saúde mental. Pelo contrário, a falta de autocompaixão parece ser um fator de vulnerabilidade para a depressão. Para que tenha ideia, uma sistematização de 98 estudos apurou que a autocompaixão está relacionada com a diminuição da psicopatologia e o aumento do bem-estar, tanto em adultos como em adolescentes.
Ser proveniente de famílias disfuncionais e/ou ter tido uma mãe hipercrítica pode culminar na ausência de autocompaixão. Porém, os indivíduos ditos auto-compassivos não têm de ser bem-sucedidos ou sentir-se superiores aos outros para experimentar sentimentos positivos sobre si próprios.
A autocompaixão parece ser uma importante fonte de resiliência quando o ser humano é confrontado com fatores de vida stressantes, como o divórcio, guerras, educar crianças com perturbações do espetro do autismo, a transição para a faculdade, questões crónicas de saúde, mulheres a gerir problemas de infertilidade, situações de bullying ou em contexto desportivo.
Aliás, a autocompaixão tem recebido uma atenção crescente no mundo do desporto, em grande parte porque pode ser um recurso útil para os atletas gerirem os desafios, as dificuldades emocionais e os fracassos, ao mesmo tempo que promove o seu bem-estar. Mulheres atletas com maior autocompaixão têm uma maior autonomia, crescimento pessoal, propósito na vida, responsabilidade, positividade e perseverança, bem como menores níveis de sentimentos de vergonha, ansiedade social e medo de avaliações negativas de terceiros. A investigação sobre a autocompaixão dos homens atletas é mais reduzida, mas os dados sugerem que aqueles que registam maior autocompaixão têm menos probabilidades de revelar sintomas de depressão e atitudes mais positivas em relação à procura de ajuda.
A tendência para a autocrítica, enquanto o oposto da autocompaixão, é uma característica convidativa de um funcionamento com maior sofrimento ou sintomas patológicos. Mas um dos aspetos mais motivantes da autocompaixão é que pode ser investida através de intervenções direcionadas e especializadas, nas quais pode promover esta e outras competências para uma melhor saúde psicológica.