Uma família contra o cancro

Na maioria das vezes, os casos de cancro na mesma família são coincidência. Os que surgem no contexto de uma síndrome de predisposição para cancro hereditário são menos de 10%
É o mais novo de três irmãos, todos nascidos no Minho, há mais de 65 anos e residentes em diferentes regiões do país.
Já restabelecido, peso ganho e tratamento finalizado, duas outras notícias sobressaltaram a família, cerca de seis anos depois. No intervalo de meses, a irmã mais velha recebera um diagnóstico de cancro no pulmão e o irmão, de cancro na próstata.
Voltou-lhes à memória a sina dos pais. A ambos, o cancro roubara a vida ainda cedo. Os médicos descartaram, contudo, a hipótese da hereditariedade na explicação do surgimento das várias doenças oncológicas na mesma família e, em nenhuma das situações, foi realizado teste genético.
No caso da irmã, não havia indicação para operar. O diagnóstico de cancro voltava quase 20 anos depois da primeira manifestação: um nódulo retirado através de cirurgia que removeu uma parte do pulmão.
A melhor terapêutica agora indicada era a imunoterapia. Alguns meses depois já recuperara o peso e o apetite e, um ano passado, mantém a sua rotina com qualidade de vida.
Quanto ao irmão, a solução para o cancro da próstata foi a cirurgia, quimioterapia e mantém-se em vigilância.
Em comum, pertencem à mesma família, têm idade superior a 65 anos e são sobreviventes de cancro. Separam-nos diferentes hábitos de vida e profissões e os locais do país onde residem.
Quando o risco de cancro tem predisposição genética
Na maioria das vezes, os casos de cancro na mesma família são coincidência. Os que surgem no contexto de uma síndrome de predisposição para cancro hereditário são menos de 10%.
Tamara Milagre, presidente da Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes relacionados com Cancro Hereditário (EVITA), nota que “a primeira triagem para sinalizar a possibilidade do cancro hereditário é a “idade precoce”, (o que não se observa no caso da família referida acima) e “o tipo de cancro diagnosticado a cada um dos seus elementos.”
Este é, contudo, um dos exemplos de casos que a Evita apoia, no âmbito da sua missão, avaliando o risco de cancro por predisposição genética e história familiar, entre outros fatores.
Alterações genéticas herdadas podem aumentar a probabilidade de desenvolver alguns tipos de cancro, entre os quais o da mama e o do ovário, síndroma responsável por cerca de 5 a 10% dos casos diagnosticados de neoplasia da mama. A maioria das pessoas com este tipo de cancro, tem mutações nos genes BRCA1 e BRCA2.
Segundo a informação disponível, as mulheres com mutação germinal no gene BRCA1 têm entre 40 e 80% de risco de cancro da mama até aos 80 anos, e entre 16 e 40% no caso do cancro do ovário.
No que respeita ao gene BRCA2 o risco de cancro da mama está entre os 40 e os 70% até aos 80 anos, e entre os 10 e os 20% para o cancro do ovário. Estas mulheres apresentam ainda um risco acrescido de carcinoma gástrico, pâncreas e vias biliares, melanoma e mieloma múltiplo.
Quanto aos homens com mutações no gene BRCA2 apresentam maior risco de carcinoma da mama e próstata, estômago, pâncreas e vias biliares, melanoma e mieloma múltiplo.
Segundo Tamara Milagre, a Evita, integrada na Rede de Referência Europeia de para as síndromes genéticas com risco tumoral (Genturis) está a trabalhar para mudar o nome da síndroma, tendo em conta os tumores multiorgânicos e a existência de outros genes ligados aos vários órgãos.
No campo do cancro hereditário, incluem-se ainda o síndroma de Lynch e o síndroma responsável pelo desenvolvimento do cancro do cólon.
Os investigadores da Genturis estão também a desenvolver um projeto para perceber a razão pela qual alguns cancros se desenvolvem apenas em determinadas pessoas.
Em Portugal e na Europa estão apenas identificados entre 20 a 30% dos portadores de alterações nos genes relacionados com o cancro hereditário, segundo os dados referidos pela Evita. “Há ainda muita falta de sensibilização por parte dos médicos, sobretudo de família”, diz Tamara Milagre, referindo no entanto, “progressos”, sobretudo em resultado de ações promovidas pela Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO).
O inquérito “O Panorama do Cancro Hereditário em Portugal” realizado no ano passado por esta organização, mostrou também que só 45,2% dos estabelecimentos hospitalares tem capacidade para seguir doentes e famílias.
Outro estudo desenvolvido pela Evita concluiu ainda que 78% dos inquiridos com história familiar de cancro não realizou teste genético, essencial para identificar os portadores e prevenir o surgimento da doença.
Teste Genético
O Teste Genético está indicado no caso de pessoas com uma história familiar de doença genética ou com risco de a desenvolver, antes do surgimento de sintomas.
Este teste tem como objetivo detetar mutações nos genes associados ao cancro hereditário. Se não mostrar alterações genéticas, significa que o risco do indivíduo testado desenvolver o cancro é idêntico ao da população em geral, não excluindo a futura descoberta de novos genes de risco para o cancro. Um resultado positivo permitirá a realização de estudos familiares e a identificação de portadores de mutação, o que contribuirá para a prevenção ou terapia alvo da doença em muitas famílias como a do Minho.
02 dezembro 2020
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