Cancro do ovário: o impacto da doença contado na primeira pessoa

A 8 de maio assinalou-se o Dia Mundial do Cancro do Ovário
Para contar a história de Marta Morgado é preciso recuar até maio de 2020. Marta tinha perdido a mãe em abril e, passado poucas semanas, o seu abdómen começou a dilatar de forma exuberante, piorando sobretudo à noite. Numa primeira instância terá pensado que o seu corpo poderia estar a reagir ao stress - tendo em conta a perda recente -, mas enquanto o volume do seu abdómen aumentava, o resto do corpo emagrecia. “Parecia que estava grávida, mas uma gravidez que estava a evoluir muito rapidamente. Sentia-me indisposta”, conta. Marta sabia que não estava grávida, pelo que decidiu dirigir-se até ao médico de família, onde fez exames no próprio dia e, depois de os mesmos terem sido analisados, o especialista pediu uma consulta urgente no IPO de Lisboa. “A partir daí fiz mais exames e confirmou-se que era cancro do ovário em estadio avançado”.
A mãe tinha morrido devido a uma leucemia, reviver alguns processos na própria pele foi como se “estivesse a viver um filme”, algo que não era real. Conhecia já os cantos ao IPO de Lisboa, mas agora tinha sido ela própria a ser apanhada pela doença, a protagonista de um caminho que se adivinhava longo.
Marta Morgado no programa da SIC, Alô Portugal
“Não tenham medo de pedir ajuda, é difícil fazermos tudo sozinhas”
Após a primeira cirurgia, na qual não removeram a totalidade do cancro devido à debilidade física em que se encontrava (pesava 47 quilos), Marta e os médicos optaram também por não prosseguir com a quimioterapia. “Sentia-me muito fraca, era possível que não resistisse”, esclarece. Em vez disso foi-lhe administrado um medicamento, “um bloqueador hormonal”, que se mostrou eficaz e que adormeceu o cancro durante três anos. Até que, no Verão do ano passado, os exames que fazia de dois em dois meses desde que tinha iniciado o tratamento mostraram que algo não estava bem. O cancro tinha voltado mais forte e, desta vez, estava ainda mais metastizado. “A recidiva custou-me mais”, admite. As metáteses que tinha obrigavam a uma cirurgia de “maior risco”, mas mesmo que estivesse ciente disso, Marta não imaginou que após a intervenção em vários orgãos, tivesse que estar três meses internada. Deixou de comer, de falar, de caminhar, mas os médicos garantem que já não há doença, que foi “tudo removido”.
Neste momento - em que se encontra a recuperar as suas capacidades motoras e cognitivas - e ainda no rescaldo da extensa cirurgia a que foi submetida, Marta Morgado deixa alguns conselhos a todas as mulheres: “não esperem, consultem um médico com o qual empatizem, se não o encontrarem à primeira procurem uma alternativa, e não tenham medo de pedir ajuda porque é difícil fazermos tudo sozinhas”.
O apoio da família e o poder das associações de doentes
No caso de Marta, a família mais próxima (filha, irmã e pai) tem sido o seu grande pilar de apoio, assim como a associação MOG (Movimento Cancro do Ovário e Outros Cancros Ginecológicos). O objetivo da associação é simples: melhorar a vida das doentes e das suas famílias, uma vez que estes também sofrem muito com todo o processo. “Temos maridos e pais de doentes, por exemplo, que acompanham as nossas atividades”, diz Marta, que também integra a estrutura da organização. Como é um cancro raro - cerca de 600 novos casos, por ano, em Portugal - a associação acaba por ser o sítio mais indicado para encontrar pessoas que estão a passar pelos mesmos desafios, que têm questões e dúvidas similares, tornando o caminho de quem tem cancro do ovário menos solitário.
Veja, abaixo, o testemunho de Marta Morgado no programa de televisão da SIC, Alô Portugal.
Mais investigação e equidade no acesso
Para a oncologista Filipa Silva, da Fundação Champalimaud, é fulcral fazer um investimento em inovação - poder implementar um método de rastreio - para que o cancro do ovário possa ser diagnosticado de forma precoce. De recordar que, como é um cancro silencioso, que apresenta pouco sintomas no início, 80% dos casos são diagnosticados em estadio avançado.
“Os sintomas no início são bastante ligeiros e inespecíficos, só à medida que a doença vai evoluindo e se vai espalhando é que começamos a ter sintomas mais intensos que fazem com que a mulher procure ajuda”, explica a oncologista Filipa Silva
Os sinais mais frequentes são, por exemplo, a dor abdominal, dor pélvica, aumento do volume abdominal, dor epigástrica, sensação de enfartamento, alterações do trânsito intestinal - como diarreia ou prisão de ventre - e queixas urinárias. “Qualquer queixa que seja persistente deve fazer com que nós busquemos ajuda médica”, reforça a especialista.
Veja AQUI o guia sobre sintomas, fatores de risco e tratamentos que o Expresso publicou no Dia Mundial do Cancro do Ovário.

Filipa Silva, médica oncologista na Fundação Champalimaud
Filipa Silva põe ainda a tónica na urgência das doentes com cancro do ovário serem tratadas em centros de referência. Ao ser uma doença rara, “não faz sentido haver um tratamento generalizado em todos os hospitais” porque esta abordagem também torna, quer o diagnóstico, quer o acesso aos exames complementares e às cirurgias, muito mais difícil. “Faz sentido existir uma espécie de via-verde, uma via rápida para que as doentes sejam tratadas em centros com a experiência necessária". No fundo, se se exige um diagnóstico precoce, este tem que vir acompanhado da capacidade de referenciar as doentes para um tratamento atempado e adequado.
“Não basta termos inovação, temos que ter acesso mais rápido a essa mesma inovação”, destaca a especialista, lembrando que muitas vezes há um atraso desde a publicação do novo medicamento até ser permitido utilizá-lo na prática clínica
A inovação também se aplica aos medicamentos. Mesmo que durante muitos anos o país tenha estado “sem novos tratamentos”, há cerca de “três, quatro anos tivemos a felicidade de descobrir alguns tratamentos de manutenção que mudaram o paradigma desta doença”, conta a oncologista da Fundação Champalimaud, referindo que mesmo assim ainda estamos muito aquém, sendo necessária mais investigação para melhores prognósticos. Não obstante, não basta tratar a doença, é preciso um suporte em termos psicológicos, nutricionais, fisioterapêuticos, entre outros. Como explica Filipa Silva “há muitas doentes que se queixam da falta deste suporte, é por isso que precisamos de uma rede de reabilitação”.
09 maio 2024
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