A cabeça no ombro também é uma arma contra o cancro

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É comum ouvir-se falar de saúde mental como uma espécie de “parente pobre” do sector. Mas a especialidade e os seus doentes lutam por uma importância cada vez mais central. “As pessoas são mais do que a soma das suas partes, e se focarmos apenas uma parte não podem ser ajudadas a restabelecer a sua saúde”, elucida Eunice Silva, coordenadora do serviço de Psicologia do IPO do Porto. “No tratamento do cancro é importante que o tratamento restabeleça o bem-estar em todas as dimensões da pessoa, de uma forma integrada.” Ou seja, acrescenta Eunice Silva: “Quando a doença oncológica está presente, o sofrimento emocional dos doentes, se intenso e prolongado, pode refletir-se em menor adesão terapêutica e em menores resultados de saúde. Por outro lado, uma pessoa com bem-estar emocional pode tolerar melhor os tratamentos, adaptar-se melhor à doença e ter mais qualidade de vida.”
A saúde mental pode fazer toda a diferença, sobretudo quando se estima que “cerca de metade dos doentes oncológicos precisará, a dado momento, de apoio psicológico e cerca de um quarto terá um sofrimento elevado”. Palavras de Susana Sousa Almeida, coordenadora da Unidade de Neuropsiquiatria do Hospital CUF Porto, para quem “a psiquiatria oncológica é fundamental para os doentes, nomeadamente aqueles que desenvolvem doença mental durante a doença oncológica ou aqueles que já sofrem de doença mental antes do diagnóstico de cancro”. É o chamado distress, que designa “o sofrimento emocional decorrente da vivência do diagnóstico e da doença oncológica”, esclarece a também presidente da direção da Academia Portuguesa de Psico-Onconcologia.
Segundo os resultados do recente estudo que analisa a aplicação dos Termómetros do Distress na Consulta de Psico-Oncologia da Liga Portuguesa contra o Cancro, 90% dos utentes apresentam na consulta sofrimento emocional significativo. É imaginar “uma batalha, que poderá ser longa e sem certezas, contra uma ameaça que poderá interromper o caminho da vida, extensível muitas vezes à família, com impacto no trabalho e no nível económico e social”. Entre os sintomas comuns estão a “ansiedade ou nervosismo, como inquietação, insónia, angústia, choro fácil ou até uma apatia inicial”, aponta Susana Sousa Almeida.
Para o diretor da Unidade de Neuropsiquiatria na Fundação Champalimaud, Albino Oliveira-Maia, “os serviços de saúde existem para reduzir sofrimento, e isto é sofrimento. Deve ser encarado como tal e devem oferecer-se aos doentes as ferramentas para tentar ultrapassar em parte estes sintomas”. E se acredita que a sua “existência, enquanto psiquiatra e diretor de um serviço de saúde mental num hospital que se dedica à oncologia, é reflexo da maior importância conferida à saúde mental”, parece-lhe no entanto óbvio que muito está ainda por fazer. “Os serviços comparticipam mal tratamentos psicológicos. Muitas vezes um utente precisa deles, mas não tem capacidade financeira para os comportar.”
“No que diz respeito ao tratamento e recuperação, a psicologia e a psiquiatria complementam-se”, garante Sílvia Ouakinin, psiquiatra e presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática: “Ajuda o doente a lidar com momentos de desânimo ou perturbações psiquiátricas como a depressão.”
Porque na oncologia, tal como noutros campos da vida, “quebrar o silêncio e assumir um discurso franco e claro é um primeiro passo para promover uma adaptação bem-sucedida e reduzir o sofrimento emocional”.
As prioridades que temos
Lidar com a ansiedade

“Quando têm um diagnóstico positivo, a primeira coisa com que as pessoas se confrontam é que isso possa ser um desafio para a sua sobrevivência”, resume Albino Oliveira-Maia. Ou seja, importa perceber que perante o impacto muitas vezes devastador de algo como o cancro é natural que a saúde mental fique abalada e que os níveis de ansiedade emocional subam. O importante é encontrar estratégias para lidar com o stresse acrescido e assumir que se está numa luta para ganhar.
Apoio emocional

É essencial que os familiares e amigos de alguém com cancro formem um círculo de apoio, para que o doente nunca sinta que está sozinho. “Podem reconhecer e validar a experiência de sofrimento emocional, aceitar a experiência única do doente, perceber necessidades e apoiar no necessário, respeitar o ritmo da pessoa, acompanhar, mesmo depois de finalizar os tratamentos, até que a pessoa doente se sinta recuperada”, explica Eunice Silva.
Consultas especializadas

O acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico é cada vez mais visto como essencial, e em Portugal já praticamente todos os serviços de oncologia apostam neste campo. “É uma área em crescimento e com profissionais muito motivados e dedicados”, garante Susana Sousa Almeida. O próximo passo é a “distribuição simétrica de recursos”, para que os doentes “fora dos grandes centros e dos grandes hospitais gerais e oncológicos” tenham acesso a apoio.
O que anda o TCED a fazer
O Tenho Cancro. E Depois? (TCED) não pára e continua a promover uma série de atividades, conversas e conteúdos informativos para continuar a elucidar o público sobre diferentes vertentes da oncologia. Após a atividade física e a alimentação, a saúde mental está em foco e, além de ser o tema principal desta página, foi também o destaque do mais recente “Check-Up Seguro” (filme explicativo sobre tópicos ligados ao cancro), que pode consultar, assim como todas as notícias sobre o projeto, no site do SIC Notícias — link na caixa dentro do texto principal — e nas plataformas sociais do grupo Impresa. É a partir daí que também poderá acompanhar em direto (e ver depois a cobertura) mais um evento “Vamos Falar?”, que juntará a 11 de novembro especialistas e doentes em Coimbra, para discutir precisamente o panorama e a importância do apoio emocional, e da saúde mental, na luta contra o cancro. Pode ainda manter-se a par da realização de dois debates na antena da SIC Notícias e a nova reunião de curadores, que juntará o grupo de especialistas que acompanha em permanência o TCED.
TENHO CANCRO. E DEPOIS?
A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site dedicado ao cancro. Ao longo do ano, recolherá a opinião de médicos, doentes e especialistas sobre os desafios de uma doença que afeta cada vez mais pessoas. O projeto tem o apoio da Médis e da Novartis, além da colaboração da Liga Portuguesa contra o Cancro e da Sociedade Portuguesa de Oncologia.
Textos originalmente publicados no Expresso de 7 de outubro de 2022
07 outubro 2022
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