Inteligência artificial antecipa possíveis tumores

“Poucas unidades no país conseguem seguir todos os seus doentes”, alerta Fátima Vaz, coordenadora da Consulta de Risco Familiar de Cancro da Mama e Ovário do IPO
Ana Baiao
Jogar na antecipação é uma expressão muito associada ao futebol e que se baseia na arte da previsão informada, ou seja, ler as intenções do adversário e impedi-lo antes de este efetivamente atuar. É o mesmo princípio da genética aplicada à oncologia.

Tenho cancro. E depois? A SIC Notícias e o Expresso lançaram um site — www.tenhocancroedepois.pt — dedicado ao cancro. O objetivo da plataforma passa por recolher a opinião de médicos, doentes e especialistas sobre os desafios de uma doença que afeta cada vez mais pessoas. O projeto tem o apoio da Novartis e da Germano de Sousa, além da colaboração da Liga Portuguesa contra o Cancro e da Sociedade Portuguesa de Oncologia. É apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver código de conduta online), sem interferência externa.
“O cancro resulta essencialmente da acumulação de erros no nosso ADN”, resume Marta Amorim, para quem “o estudo destes erros e da genética do cancro torna-se essencial ao nosso maior entendimento e abordagem à doença, com aplicações desde a prevenção ao tratamento”. Há “diferentes estratégias de rastreio populacional a serem estudadas, sobretudo para as síndromes mais prevalentes”, como é o caso “dos genes BRCA1 e BRCA2, responsáveis por aumento de risco de cancro da mama/ovário/pâncreas”, ou a “síndrome de Lynch, “associada a maior risco de cancro colorretal/do endométrio e outros”.
Veja-se o desenvolvimento dos polygenic risk scores, possíveis atualmente “pelos inúmeros dados de sequenciação globalmente disponíveis e pela aplicação da inteligência artificial à análise” de grandes volumes de dados. “São essencialmente algoritmos de avaliação de diferentes marcas do ADN” e espera-se que “permitam estratificar riscos e identificar indivíduos, com ou sem síndromes de predisposição para cancro, que beneficiem da adoção de estratégias de prevenção mais ou menos agressivas”.
“Atualmente, só 20%-30% dos portadores estão identificados e 50% dos doentes oncológicos com cancro hereditário não são encaminhados para o teste genético”, afirma a fundadora e presidente da Associação EVITA — Cancro Hereditário, Tamara Milagre. O que não invalida que se registe “uma maior aposta na investigação” desta área: “Inclusivamente, estamos a descobrir cada vez mais genes que estão relacionados com cancros que antes não estavam a ser considerados hereditários, como é o caso do cancro do pulmão.”
Identificar lesões
A evolução está “diretamente relacionada com o avanço da tecnologia que permite apanhar novas causas” para a formação de tumores, garante a investigadora do i3S — Instituto de Investigação e Inovação em Saúde Carla Oliveira. A também secretária-geral da Sociedade Europeia de Genética Humana destaca que a “inteligência artificial em análise de imagem vai ser revolucionária” e a “breve trecho vai ser mesmo indispensável”, ao permitir fazer exames “com altíssima resolução e ensinar a máquina a apanhar algo suspeito” num estado muito inicial, antes sequer de evoluir para cancro. “Se conhecermos melhor os cancros hereditários, conhecemos os outros”, refere.
Outra via passa pelos “estudos genéticos somáticos realizados na peça do tumor”, que “podem ser relevantes para as opções terapêuticas”. O expectável é que se “caminhe cada vez mais para uma medicina dirigida para cada doente”, aponta a médica de genética Maria Lopes de Almeida, com a certeza de que, “no que se refere aos cancros hereditários, é possível uma otimização da vigilância”. O avanço do conhecimento de historiais familiares e da predisposição de certos genes permite “libertar indivíduos de seguimento e de vigilâncias excessivas não necessárias”, reforça a responsável pela Consulta de Risco Familiar de Gastrenterologia do IPO Porto, Catarina Brandão.
O progresso da genética permite também “selecionar embriões e colocar no útero os que não têm mutações”. Apesar das questões éticas que tal pode levantar, Catarina Brandão argumenta que há “síndromes que têm uma incidência tão grande” que “justifica esse passo” e fala também da “possibilidade de vacinação”. Marta Amorim acrescenta que “é notória a crescente aprovação de terapias genéticas” a partir, por exemplo, de “técnicas de adição e edição”. Desenvolvimentos que, lembra Carla Oliveira, podem ajudar a “curar cancros que antes eram incuráveis”.
3 perguntas a
Fátima Vaz
Oncologista IPO Lisboa
“A grande evolução foi alargar a prevenção”
Quando é que a história familiar pode antecipar um cancro?
Se uma família tem vários casos de cancros com diagnósticos antes dos 50, 40 ou 30 anos, isso pode levantar a suspeita que existe algum fator genético herdado do pai ou da mãe que pode estar associado a um risco aumentado de cancro. A história familiar clássica pode alertar para isso.
O nosso conhecimento neste campo está a aumentar? Como isso se reflete?
Em determinados cancros, quem tiver um teste genético positivo, vai ter um tratamento diferente. A grande evolução foi alargar as possibilidades de prevenção.
Justifica-se tomar medidas preventivas mais cedo?
Sim. Por exemplo, as cirurgias redutoras de risco no cancro da mama ou no cancro são feitas cada vez mais frequentemente.
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