Investigação do cancro: sem profissionalização Portugal não dará o salto
São quase 60 mil os novos casos de cancro diagnosticados, por ano, em Portugal. A previsão é que, em 2040, este número possa chegar aos 69 mil. Além disso, a mortalidade por cancro deverá aumentar cerca de 31% em 2040. Para dar resposta a este cenário, dizem os especialistas, é preciso acelerar e investir num departamento essencial: a investigação do cancro. Não obstante, no que toca a esta temática, Portugal é um dos parentes pobres da Europa. Comparados com a a vizinha Espanha, que detém cerca de 16% da investigação clínica, em termos globais, Portugal tem apenas 3%. Se nos compararmos com a Bélgica - país com uma população semelhante à nossa - temos 6 vezes menos ensaios clínicos que os belgas.
O que falta então fazer para que Portugal se possa tornar competitivo nesta área, sobretudo numa altura em que as diretrizes europeias estabeleceram a investigação do cancro como uma prioridade?
Com o objetivo de debater sobre as principais falhas e soluções que possam promover o crescimento de este tipo de investigação, o Tenho Cancro. E depois? juntou, no estúdio da Sic Notícias, os seguintes especialistas: Luís Costa, diretor do Serviço de Oncologia Hospital Santa Maria, Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), Júlio Oliveira, responsável pela Unidade de Ensaios Clínicos Precoces e líder do Programa de Medicina de Precisão do IPO-Porto e Vítor Rodrigues, Coordenador de investigação científica da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC).
Conheça as principais conclusões do debate:
Trabalhar em rede: mais estrutura, organização e profissionalização
- A falta de estruturas sólidas e capazes é a grande lacuna apresentada pelos especialistas presentes. “Aquilo que eu acho que falta bastante é dar um passo decisivo na profissionalização das estruturas, não se pode entrar em ensaios sem essas estruturas”, garante Luís Costa. De recordar que, para ser competitivo, o país precisa de responder atempadamente aos critérios que a realização de um ensaio clínico impõe;
- “O sistema que nós temos atualmente é um sistema que não serve, não é suficiente, e põe Portugal num contexto de desvantagem competitiva internacionalmente", reforça Júlio Oliveira;
- Júlio Oliveira põe ainda a tónica na questão da contratação de profissionais por parte dos recursos humanos: “Sem uma maior autonomia de gestão de recursos humanos, não vamos conseguir dar o salto necessário”;
- “Só de consegue fazer investigação de qualidade com profissionalização", diz Miguel Abreu, referindo que o país já tem dificuldade em atrair investimento, por isso, é preciso pensar bem onde e como se abre um novo centro de ensaios clínicos visto que, “se abrirmos centros que não estão preparados, isso irá fragilizar-nos ainda mais”;
- Classificar os centros que tratam o cancro, criar uma rede de centros de referência de ensaios clínicos espalhados pelo país, aumentando a acessibilidade e a comunicação entre pares faz parte da solução para que o país de posicione favoravelmente nesta área. Para a missão ser bem sucedida, os especialistas referem a fundamental “vontade política” de forma a que haja um investimento que torne tudo isto exequível;
Contratar e saber reter os “cérebros”
- Além de médicos que fazem investigação, esta área precisa de outros tipos de profissionais: enfermeiros, pessoas que inseriam os dados do ensaio em plataformas específicas, entre outros. O que significa que um oncologista, sem uma equipa especializada, não conseguirá fazer um trabalho eficaz. "É absolutamente necessário reter estas pessoas, que demoram anos a treinar. É preciso estimular os profissionais", refere Júlio Oliveira;
- Com o objetivo de motivar estes especialistas, Luís Costa sugere que aquilo que pode atrair estas pessoas se centre no “aumento de conhecimento e melhoria de currículo”. Mas, para isso, os centros devem investir em todas as condições técnicas e logísticas que permitam ao investigador fazer um bom trabalho;
- Hoje, os oncologistas sabem que são “tão válidos no SNS como nas empresas, por isso cabe ao SNS saber projetar-se”, alerta Miguel Abreu;
Sem dados não há conhecimento
- Há muito que se fala na lacuna que Portugal apresenta no que ao registo e tratamento de dados diz respeito, afinal, como se podem tomar decisões certeiras se não conseguimos traçar um mapa epidemiológico do país? Esta parece ser uma problemática que afeta também a investigação oncológica. “Portugal não está bem no que toca a áreas base, como é o caso da questão dos dados", lembra Vítor Rodrigues, acrescentando que ”não vale a pena falar em investigação de topo se não temos uma estrutura que a sustente";
- Investir na melhoria do Registo Oncológico Nacional - que sempre apresentou e continua a apresentar falhas - pode ser o primeiro passo para que o país possa melhorar no registo e tratamento de dados.
FRASES QUE MARCARAM O DEBATE
“Muitas vezes no ambiente clínico os médicos têm que tratar os doentes, mas não têm tempo para investigar”
Vítor Rodrigues, coordenador de investigação científica da LPCC
“Não podemos deixar de ter, no SNS, projetos estruturantes”
Luís Costa, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital Santa Maria
“Portugal precisa de atrair investimento”
Júlio Oliveira, responsável pela Unidade de Ensaios Clínicos Precoces e líder do Programa de Medicina de Precisão do IPO-Porto
“É fundamental que o país se organize e que a rede - que não existe em Portugal - esteja capacitada para que nenhum doente, seja no norte ou do sul, deixe de ter acesso ao melhor tratamento”
Miguel Abreu, presidente da SPO
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