"Laboratório Antártida" é uma Grande Reportagem para ver no Jornal da Noite, hoje - e em versão interativa, com conteúdos extra exclusivos, nos sites da SIC, do Expresso, da Visão e da Activa.
Fará sentido Portugal investir mais em investigação científica nacional na Antártida? O que o País tem a ganhar com isso?
Paulo Pereira - Faz sentido Portugal continuar a dedicar o nível de investimento atual, de forma sustentável e previsível, para garantir a continuidade do trabalho realizado nesta região pela comunidade científica nacional. Por outro lado, a comunidade polar nacional tem conseguido capitalizar o financiamento anual proporcionado pela FCT, com grande retorno para a qualidade e visibilidade da ciência portuguesa e a internacionalização das equipas de investigação. O grande ganho nacional da investigação científica realizada nesta região advém do facto dos cientistas realizarem atividades num "laboratório vivo", onde os processos científicos decorrem in situ mas com grande impacto a nível global. Por exemplo, alguns dos estudos realizados na Antártida têm impacto significativo na investigação sobre as alterações climáticas que se repercutem em todo o planeta. O investimento nesta região tem, por isso, um retorno importante para a investigação e o desenvolvimento tecnológico nacional, ainda que Portugal esteja distante da Antártida.
Em que montante a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) financia anualmente o Programa Polar Português?
P. P. Atualmente a FCT financia o PROPOLAR no montante de € 250.000/ano, para apoio às Campanhas Polares Portuguesas, que abrangem ambas as regiões polares - Ártico e Antártida. No entanto, a maior fatia do financiamento é destinada às atividades de investigação científica realizadas na Antártida, particularmente devido ao montante que é canalizado para o fretamento do voo, que realiza o transporte de investigadores entre Punta Arenas, no Chile, e a Península Antártica.
Considera que o montante é suficiente? Há margem para que esse financiamento aumente?
P. P. - O financiamento foi recentemente aumentado, no início de 2015, para efetivamente garantir a sustentabilidade das Campanhas Polares. Assim, considero que o montante de financiamento atualmente atribuído é suficiente, para a capacidade científica atualmente instalada, não se prevendo - a breve prazo - novo aumento desta linha de financiamento.
Portugal é membro não consultivo do Tratado da Antártida, ou seja, não tem voz ativa nas decisões que são tomadas sobre o presente e o futuro da região. Considera que seria importante que o País passasse a membro consultivo? Há negociações nesse sentido?
P. P. - A participação Portuguesa nas Reuniões Consultivas do Tratado para a Antártida (ATCM) tem sido a principal forma de cooperar no âmbito do Tratado, apesar do estatuto de país não consultivo, desde a adesão portuguesa a este instrumento em janeiro de 2010. A regularidade na participação portuguesa nestas reuniões (Portugal participa consecutivamente desde 2013 nas ATCM) foi mais um importante passo para apoiar as atividades de investigação na Antártida, pois a presença portuguesa nesta região tem de cumprir escrupulosamente as regras do Tratado para a Antártida e do seu Protocolo de Proteção Ambiental, o qual Portugal ratificou em outubro de 2014.
Apesar de Portugal não ter direito de voto nestas reuniões, o país pode contribuir para as questões que são discutidas e é muito importante poder aceder ao conteúdo das discussões e às decisões tomadas, pois estas têm influência nas atividades que Portugal realiza nesta região, por um lado e, por outro, algumas discussões podem também ser extrapoladas no que concerne à governação do espaço marítimo nacional, pois muito do que é discutido está ligado ao Direito do Mar e à "soberania" marítima (recursos marinhos e marítimos), dado o interesse geopolítico daquela região.
Quanto à possibilidade de Portugal se tornar membro consultivo do Tratado para a Antártida, tal tem sido discutido a nível nacional, mas considera-se que é ainda cedo para dar este passo, pois é muito importante consolidar primeiro as atividades científicas nacionais nesta região, bem como o nosso Programa Polar. Trata-se, no entanto de uma hipótese que deve ser considerada e discutida a médio prazo.
Esteve na Ilha do Rei Jorge este ano, com que impressão ficou sobre a investigação científica que diferentes países lá fazem e sobre os interesses geopolíticos que ali se jogam?
P. P. - Fiquei profundamente impressionado com a quantidade e a qualidade da investigação que se faz na Antártida em condições, muitas vezes, de clima extremo e com condições de operação muito difíceis. É, em larga medida, a dedicação e entusiasmo dos investigadores que permite a realização de muitas das atividades que aqui se desenvolvem. Há muitos temas diversos que são estudados nesta região e muita da investigação que aqui se faz é de caracter interdisciplinar com aplicações e impacto também em áreas científicas muito diversas.
No que se refere aos interesses geopolíticos, fiquei com a impressão que eles, naturalmente existem, mas que acabam por criar oportunidades interessantes para os investigadores que têm maior facilidade em alojar-se ou transportar-se entre as bases dos diferentes países. A este nível, e num território tão remoto e frequentemente inóspito, é extraordinário como a ciência aproxima os diferentes países e como militares, investigadores e outro pessoal trabalham lado a lado para assegurar o cumprimento dos objetivos científicos dos projetos que se realizam na Antártida.
Como vê o futuro da Antártida, na década de 2040, após revisão do Tratado?
P. P. - Pelas discussões que são realizadas em sede das reuniões dos membros consultivos do Tratado da Antártida e pela perspetiva como as atividades dos diferentes países são conduzidas nesta região, quero creditar que o futuro da Antártida passa por manter o mesmo estatuto - continuar a ser uma região utilizada "exclusivamente para fins pacíficos", como refere o seu Tratado. No que a Portugal respeita, devemos continuar a interessar-nos por esta região para a realização de investigação científica de elevada qualidade, com vista à resolução dos problemas globais (essencialmente ambientais), com o menor impacto possível. No entanto, tenho presente os interesses geopolíticos em causa, o futuro da Antártida está também muito dependente da continuidade da harmonia internacional.
Carla Castelo
SIC