Cultura

Francis Ford Coppola: o preço da solidão

"Do Fundo do Coração" (1982): do falhanço comercial à condição de clássico absoluto
"Do Fundo do Coração" (1982): do falhanço comercial à condição de clássico absoluto

O cineasta de “O Padrinho” tem um novo e ambicioso projecto, intitulado "Megalopolis", mas será que vai conseguir levá-lo até ao fim?

À beira dos 84 anos, Francis Ford Coppola (nasceu em Detroit, a 7 de abril de 1939) é um dos grandes solitários de Hollywood. De tal modo que a sua solidão tem sido pontuada por convulsões que, ciclicamente, ameaçam o seu trabalho — e, mais concretamente, a simples possibilidade de continuar a fazer filmes.

Embora as notícias sejam vagas e, por vezes contraditórias, o seu mais recente projecto, “Megalopolis”, parece assombrado por problemas drásticos, porventura insuperáveis. De facto, algumas notícias da imprensa especializada americana dão conta de conflitos com vários sectores da equipa técnica, nomeadamente cenógrafos e criadores de efeitos visuais, agravando os custos de produção — o orçamento teria já atingido os 120 milhões de dólares.

As informações são escassas. Trata-se, ao que parece, de uma história com algumas componentes de ficção científica que Coppola tenta concretizar há algumas décadas — o primeiro esboço de argumento data da década de 1980. Nunca tendo conseguido financiamento para o concretizar, Coppola decidiu avançar por conta própria depois de ter vendido as suas propriedades e empresas de produção de vinhos. Reuniu um verdadeiro elenco de luxo que inclui, entre outros, Adam Driver, Laurence Fishburne, Dustin Hoffman, Aubrey Plaza e Jon Voight… E já se apressou a desmentir eventuais dificuldades, mesmo tendo em conta os despedimentos e as novas contratações que foram acontecendo.

Não se sabe o que poderá acontecer (as notícias dizem também que ele terá chegado a meio de uma rodagem que se previa de 90 dias), mas é inevitável que surjam algumas associações com o desastre financeiro de “One From the Heart” (1982), entre nos chamado “Do Fundo do Coração”, também auto-financiado… e também um aparatoso desastre comercial. Hoje em dia, é reconhecido como um clássico absoluto, tendo revolucionado muitas técnicas de filmagem, ao mesmo que reinventava várias componentes do género musical clássico.

Estamos a falar, afinal, do autor de títulos como a trilogia de “O Padrinho” (1972/1974/1990) — relançada em 2022 em cópias primorosamente restauradas (veja-se o respectivo trailer) —, “Apocalypse Now” (1979) ou “Drácula de Bram Stoker” (1992). Por amarga ironia, ao longo deste século XXI, Coppola tem assinado apenas pequenas produções independentes — recorde-se o magnífico “Tetro” (2009) —, não despertando o interesse dos grandes estúdios. Em boa verdade, o destino de “Megalopolis” será também um teste à capacidade de resistência de um criador que, afinal, deu a Hollywood alguns dos mais belos capítulos da sua modernidade.