É bem verdade que nada substitui a experiência colectiva de ver um filme projectado num grande ecrã de uma sala de cinema. Mas não é menos verdade que a avassaladora oferta das plataformas de streaming tem vindo a alterar e, de algum modo, a diversificar as nossas formas de relação com o universo multifacetado do cinema — “Bardo”, do cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu, é mais um título que está na corrida dos Óscares, tendo já chegado ao mundo das ligações virtuais.
Não é possível apresentar qualquer sinopse satisfatória do filme de Iñárritu. E por uma razão muito forte, de uma só vez narrativa e simbólica: tudo o que nele acontece está tocado por uma ambivalência fascinante, de tal modo que vogamos em ziguezague entre a observação realista e as muitas paisagens oníricas que pontuam a trajectória do seu (anti-)herói, um jornalista, de nome Silverio, interpretado pelo magnífico Daniel Giménez Cacho.
Silverio é mexicano, tendo construído grande parte da sua carreira, e também do seu prestígio, nos EUA, o que, bem entendido, nos leva a supor que há nele ecos auto-biográficos do realizador — Iñárritu, convém lembrar, é autor de filmes como “Birdman” (2014) ou “The Revenant: O Renascido” (2015), gerados no sistema dos grandes estúdios de Hollywood.
A atribuição de um prémio a Silverio, nos EUA, precisamente, leva-o a uma viagem que, sendo geográfica, é sobretudo psicológica. Através de lugares concretos e memórias difusas, ele vai, afinal, viver uma odisseia que justifica o longo subtítulo de “Bardo”. A saber: “Falsa Crónica de umas Quantas Verdades”.
A luz e as cores vão mudando, como se cada novo cenário oscilasse entre a verdade imediata e o assombramento de algum fantasma. Daí a importância das imagens assinadas pelo talentoso Darius Khondji: é ele que está nos Óscares deste ano, mais concretamente como um dos nomeados na categoria de melhor fotografia — veja-se o trailer do filme, tendo como banda sonora a canção “I Am the Walrus” (1967), dos Beatles.