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A luta entre a rádio e os artistas... mas e os ouvintes?

Os artistas dizem que nunca se ouviu tanta música portuguesa, mas as rádios alegam que o público não é suscetível a música nova. O que querem ouvir os portugueses e de que forma é que as rádios programam as transmissões? Leia o artigo ao som de alguns êxitos da música portuguesa.

A luta entre a rádio e os artistas... mas e os ouvintes?
Inês M.Borges/SIC

A rádio tem uma quota mínima a preencher com música portuguesa que a lei estipula a 25%, mas os artistas contestam e pedem por 30%, apelando a que haja “mais carinho” pelo que é nacional. Já ouvidos os dois lados, resta saber o que querem os ouvintes portugueses.

Será que, num tempo com tantos meios de difusão como as redes sociais e as plataformas streaming, os portugueses descobrem e ouvem música na rádio?

De acordo com um estudo da Marktest, mais de cinco milhões de portugueses em Portugal Continental com 15 ou mais anos afirmam ter ouvido rádio na véspera do inquérito, o que representa 61,5% do universo em análise.

Para Tozé Brito, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, a rádio continua a ser um meio nobre de divulgação de música.

“A rádio tem um papel muito importante na divulgação de música. Nós vamos para as redes e plataformas e encontramos milhares de artistas e a rádio é um funil, uma peneira em termos de escolha, dando credibilidade à música que transmite.”, explica o autor.

Também para Agir, músico português, a rádio tem um papel fundamental, não só na transmissão da música portuguesa, mas na divulgação de novos artistas nacionais.

“Os que preocupam mais são os novos artistas, que não estão estabelecidos – eu quando falo de mim estou a falar de uma minoria, não é a realidade de quem quer ser artista - eu acho que aí a rádio deveria ter um papel de querer descobrir e passar novos ares”, exemplificou.

"Não sejas francesa, tu és portuguesa, tu és só para nós"

António Mendes, diretor da RFM, afirmou que um estudo concluiu que, a partir dos 25 anos de idade, as pessoas deixam de querer ouvir músicas novas.

“À medida do envelhecimento, as músicas que gostam de ouvir são sempre as mesmas, isto é um problema para os músicos que querem lançar música e se querem afirmar perante pessoas mais velhas.”, afirmou.

Apesar dos estudos, segundo Luísa Sobral, “os números mostram que, cada vez que se começa a passar mais música portuguesa, as audiências sobem.”.

Daí resta a dúvida da compositora: “Estarão as pessoas das rádios a dar aquilo que as pessoas querem ouvir ou aquilo que eles acham que as pessoas querem?”.

Para além disso, Luísa Sobral, compositora do “Amar pelos Dois” que venceu a Eurovisão em Kiev, relembra à rádio o papel que tem como meio de difusão extremamente democrático e acessível.

A rádio é uma montra de cultura e é a maneira de chegar às pessoas no interior de Portugal, pode ser o único acesso que eles têm à cultura nacional. Uma música toca na rádio, gera público, gera concertos. O Ed Sheeran não vai a Santarém, a Vila Nova de Gaia, não vai à Guarda, é importante que os artistas portugueses levem a cultura aos sítios que não são Lisboa ou Porto.”, exemplificou.

Também Agir sente que o público procurar cada vez mais a música portuguesa, algo que tem motivado a produção nos últimos anos. Para isso, os portugueses têm de estar predispostos a ouvir novas músicas.

“Tudo o que é novo nós temos de parar um bocado para ter atenção e ouvir. Experimentar um prato novo é diferente de irmos a um restaurante que já tem aquilo que gostamos. Acredito que os portugueses estão dispostos a isso, há cada vez mais festivais só com música portuguesa”, referiu o artista.

Para António Mendes não parece assim tão simples, pois é um risco para as rádios apostarem em músicas novas, tendo em conta as diversas escolhas que as pessoas têm.

“Hoje, o panorama audiovisual é complexo, com múltiplas oportunidades de escolha. Todos nós disputamos a atenção das pessoas num mercado em que há muitas escolhas. Se não temos cuidado na programação, a atenção desvia facilmente”, explicou o diretor da RFM.

Apesar disto, em 2019, 47% do Top 10 semanal do Spotify, ao longo do ano, foi composto por canções nacionais.

“Duas da manhã... bem bom”

Quais são os critérios para definir o que é “bom”?

António Mendes refere que são feitos estudos de música e as músicas que tiverem agradabilidade de um conjunto de pessoas que reúnem numa sala começam ou continuam a passar na rádio.

“O critério tem a ver com a música nova que encaixe no perfil da linha de música que uma rádio toca”, explicou o diretor da RFM.

Segundo o slogan da RFM, a rádio passa “só grandes músicas”. Fica por saber o que classificam como “grandes”.

O público quer muito ouvir música portuguesa”, afirmou Agir, relatando que isso se verifica nos concertos que são cada vez mais pelo país, durante todo o ano.

No entanto, o artista não compreende como é que os “números” das músicas portuguesas “não correm tão bem” na rádio, quando vingam no top de vendas de bilhetes e no Spotify. Para o músico, custa-lhe acreditar que “exista uma realidade num sítio e outra noutro”.

Segundo Luísa Sobral, são lançadas no mínimo 16 músicas portuguesas novas todas as sextas-feiras, contabilizando mais de 60 músicas por mês, em diversos géneros.

Mas como é que essas músicas podem chegar à rádio?

O diretor da RFM explica que, muitas vezes, as rádio são abordadas pelos managers, editoras e músicas que os procuram para apresentar músicas, muitos deles até convidam para os estúdios para ir ouvir os projetos “num ambiente quase de parceria”.

Para António Mendes é importante ter os contactos e as pessoas certas ao lado para que os artistas consigam fazer chegar a sua música nova. Depois, cabe aos responsáveis pela gestão da música e aos estudos efetuados discernir se a música deve ser transmitida.

“Sei que o melhor de mim está para chegar”…será?

O valor mínimo permanece nos 25%, mas o movimento Quero Mais Música Portuguesa, que junta vários artistas nacionais, já começou a crescer e partidos políticos, como o Bloco de Esquerda, já querem levar essa vontade para a Assembleia da República.

Para além disso, existe uma petição “Pelo aumento da quota mínima obrigatória de música portuguesa nas rádios” criada por Rogério Charraz e José Fialho Gouveia que se dirige ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.