Por vezes, para resumirmos a importância histórica de um determinado filme, dizemos que o seu aparecimento define uma fronteira simbólica: há um “antes” e um “depois”, separados, precisamente, pelas singularidades criativas desse mesmo filme. Eis um caso exemplar que, agora, graças ao streaming, podemos descobrir ou redescobrir: “A Aventura”, de Michelangelo Antonioni (1912-2007).
Corria o ano de 1960 e Antonioni não era um autor isolado no contexto italiano, nem sequer, como é óbvio, na dinâmica das cinematografias europeias — era o tempo das “novas vagas”, quer dizer, de reavaliação dos clássicos e da procura de diferentes linguagens. “A Aventura” apresenta-se, justamente, como um drama cujas componentes tradicionais surgem transfiguradas através de um novo entendimento do espaço, uma diferente organização do tempo e, por fim, um tratamento original das personagens.
A sua sinopse é minimalista: durante um cruzeiro no Mediterrâneo, uma mulher desaparece de forma inexplicável, a ponto de isso alterar todas as relações entre os que faziam aquela viagem de recreio… Acima de tudo, a realização de Antonioni observa os pequenos detalhes de comportamento de forma a iluminar o reverso do próprio ambiente em que tudo começou: afinal, apesar do clima de muitas cumplicidades, cada um sabia pouco sobre cada um dos outros. Mais do que isso: cada um pressente que conhecia mal as nuances da sua própria identidade…
A presença encantada e encantatória de Monica Vitti, figura emblemática da obra de Antonioni (na altura sua companheira), é sintomática da importância que os intérpretes sempre tiveram no trabalho do realizador — ela lidera um notável elenco em que surgem outros nomes marcantes da produção italiana da época, incluindo Gabriele Ferzetti e Lea Massari.
Para a história, recorde-se que “A Aventura” foi um dos grandes acontecimentos do Festival de Cannes de 1960, tendo sido distinguido com o Prémio do Júri (“ex-aequo” com “Kagi”, do japonês Kon Ichikawa). Curiosamente, a Palma de Ouro foi atribuída a outro título lendário do cinema de Itália: “A Doce Vida”, de Federico Fellini.