Ang Lee, cineasta da revisão das regras do tradicional filme de artes marciais? Sim, sem dúvida — lembremos "O Tigre e o Dragão" (2000). E lembremos também algumas aventuras mais ou menos surreais, apoiadas em sofisticados efeitos visuais: "A Vida de Pi" (2012).
E se dissermos que este autor nascido em Taiwan, em 1954, é também um narrador capaz de explorar as potencialidades do melodrama clássico? Exactamente — veja-se ou reveja-se esse filme magnífico que é a "A Tempestade de Gelo" (1997), actualmente disponível em streaming.
Estamos perante o retrato de uma comunidade do Connecticut, em 1973, dir-se-ia igual a tantas outras que vivem entre rotinas sociais e conformismo existencial… Será assim? Não necessariamente. A pouco e pouco, os espaços familiares vão revelando desequilíbrios e fissuras que tanto podem resultar de relações sexuais ocultas como do uso e abuso de substâncias capazes de alterar os humores das personagens.
Escrito por James Schamus, também produtor frequente dos filmes de Ang Lee (incluindo este), tendo como base o romance "The Ice Storm", de Ricky Moody, "A Tempestade de Gelo" consegue expor um universo de grande estabilidade social (ou que se esforça por produzir esse efeito de estabilidade), todos os dias ameaçado pelo jogo de verdades (algumas) e mentiras (muitas) que contaminam todas as suas relações.
E atenção a uma componente essencial do trabalho de Ang Lee. A saber: a capacidade de expor tudo isso através de um cuidada direcção de actores de invulgar talento. Assim, no elenco, encontramos, entre outros, Kevin Kline, Joan Allen, Tobey Maguire, Christina Ricci e Sigourney Weaver.
