Numa altura em que "Coup de Chance/Golpe de Sorte", 50ª longa-metragem de Woody Allen, é motivo de enorme curiosidade (chegará aos ecrãs portugueses no dia 5 de outubro), vale a pena ver um rever aquele que me parece ser um título fulcral na arquitectura dramática de toda a sua filmografia: "Maridos e Mulheres", produção de 1992 cujo elenco, além do realizador (também argumentista), inclui os nomes de Mia Farrow, Judy Davis, Juliette Lewis, Liam Neeson e ainda Sydney Pollack (o cineasta de títulos como "Os Cavalos Também Se Abatem" ou "África Minha", respectivamente de 1969 e 1985).
Como o título indica, "Maridos e Mulheres" é uma das muitas narrativas em que Woody Allen escalpeliza as evidências e as máscaras dos territórios conjugais: um casal anuncia a sua separação, o que leva outro casal a tentar compreender as razões que levaram a tal ruptura, ao mesmo tempo questionando a estabilidade da sua própria relação…
A subtileza dos estados de alma filmados por Woody Allen é tanto maior quanto o filme vai evoluindo como uma espécie de ficção "comentada" por elementos de natureza documental — isto porque os próprios protagonistas vão sendo "entrevistados" sobre as atribulações que estão a viver…
Não é um banal efeito formalista, antes um método de exposição que leva as personagens — e, com elas e através delas, o próprio espectador — a observar as ambivalências do quotidiano, num jogo de contrastes que faz com a fronteira entre verdade e mentira seja sempre instável. Convém lembrar que esta estrutura é uma muito directa homenagem às "Cenas da Vida Conjugal", registadas por Ingmar Bergman em 1973 (em filme e em série televisiva) — Woody Allen é, afinal, um dos mais brilhantes discípulos do mestre sueco.