Desporto

Évora e Pichardo: a naturalização que fez azedar a relação entre os atletas

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a tensão entre os dois atletas tornou-se evidente: Nélson Évora não assistiu ao salto de Pichardo e até foi visto a apoiar um adversário. Este domingo, os dois atletas de triplo salto envolveram-se numa troca de acusações. O que está na origem desta desavença?

Évora e Pichardo: a naturalização que fez azedar a relação entre os atletas
AP

Nélson Évora e Pedro Pablo Pichardo envolveram-se, este domingo, numa troca de acusações. Mas a tensão entre os dois atletas de triplo salto não é de agora: desde a chegada de Pichardo ao Benfica que Évora tem criticado o processo de nacionalização do luso-cubano.

Pedro Pablo Pichardo chegou ao clube da Luz em 2017, menos de um ano após a saída de Évora para o Sporting. Poucos meses depois, Pichardo recebia nacionalidade portuguesa.

Para Évora, a rapidez com que se realizou a naturalização de Pichardo “não é justa”. O atleta luso-cabo-verdiano afirma que houve uma “cunha” por parte do Benfica para acelerar o processo, garantindo tratar-se de um ataque pessoal do clube pela sua saída.

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Em entrevista ao Observador, Évora diz que, “como qualquer estrangeiro que venha para Portugal”, Pichardo devia ter de “viver cinco anos” no país, com o cartão de residência.

“É muito tempo para um desportista? Eu entendo. Que seja três meses. Mas que seja três meses para toda a gente. Não seja 10 anos para um atleta porque realmente não teve a mesma oportunidade ou as mesmas cunhas”, prossegue o atleta de triplo salto.

Nélson Évora é natural de Cabo Verde, tendo vindo para Portugal com a família aos seis anos. O processo de naturalização – e, consequentemente, a possibilidade de competir por Portugal – demorou 10 anos a ficar concluído. Évora só competiu pela primeira vez com a camisola portuguesa em 2001.

“Foi comprado um atleta para poder ter resultados a curto prazo. É uma referência hoje em dia. É como é. Temos atletas que chegaram antes do Pichardo e que ainda não têm nacionalidade”, disse ainda, sublinhando que a rapidez do processo está associada a uma “questão clubística”.

As palavras de Évora não caíram bem a Pedro Pichardo, que usou as redes sociais para responder ao colega de modalidade.

“Quando dizes que fui comprado estás a faltar-me ao respeito. Não sou uma prostituta nem sou como tu que saíste mal do clube, porque te ofereceram mais”, escreveu Pichardo.

O atleta luso-cubano quis afastar-se dos problemas que possam existir entre Évora e o Benfica: “Não sei quais os problemas que tens na cabeça ou se tens problemas com alguém no Benfica, mas não deves misturar-me nessas coisas falando de mim.”

“Passar 11 anos para teres um documento português não te faz mais português que ninguém, ou seja, do que eu, que tive em pouco tempo. Afinal, adquirimos os dois nacionalidade portuguesa o que quer dizer que não nascemos cá. Dizes não ter nada contra mim, mas o teu colega espanhol também teve documentos rápidos e foste um dos primeiros a dar-lhe os parabéns”, prossegue.

Uma polémica com vários anos

Desde a chegada de Pichardo a Portugal que a relação entre os dois atletas nunca foi pacífica. A tensão tornou-se pública durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em que os dois atletas participaram com a camisola portuguesa.

Depois de realizar a sua prova, Nélson Évora abandonou o recinto desportivo, não ficando para assistir ao salto que deu a Pichardo, e a Portugal, a medalha de ouro. Foi também visto a apoiar Zango, o atleta do Burquina Faso com quem trabalhou durante duas semanas.

No final das provas, Évora foi questionado se teria abraçado Pichardo.

“Sinceramente, acho que não. Não sei porquê, não é por mim, mas não teria de ser eu a abraçá-lo. O Pichardo há de aprender com a vida. Espero que tudo lhe corra bem”, respondeu.

Confrontado com a situação, Pichardo sublinhou que “o tempo" de Nélson Évora "passou” e disse não lhe fazer diferença se o luso-cabo-verdiano apoiou ou não um atleta adversário de Portugal.

“Eu nunca falei mal do Nélson", disse o atleta. "Eu não falo nada do Nélson e era bom acabar com isso, para não levar os problemas para a parte pessoal. Há anos que fala de mim e eu não respondo nada. Inveja? Não sei. É como ele diz, já ganhou tudo, porque não me deixa agora fazer a minha carreira? O tempo dele passou, não falo nada, deixe-me fazer a carreira em paz…”

Martin Meissner

Depois dos Olímpicos, Pichardo reconheceu, numa entrevista à Lusa, a rivalidade com Évora. O atleta defendeu uma transição cordial do testemunho.

"Acho que o que tinha de ter acontecido era uma passagem de testemunho. No início ele não pensou assim e ficou chateado por alguma coisa. Eu consigo perceber, é triste chegar alguém ao teu país, a bater o recorde que tu tens e a alcançar algumas coisas que já atingiste. Mas eu não posso fazer nada, o nosso desporto é individual e ganha sempre o melhor. Já tens os títulos e se achas que não consegues ser melhor do que eu fica em casa", afirmou Pichardo.

Durante os Europeus ao Ar Livre de 2018 – quando Pichardo ainda não estava autorizado pela Federação Internacional representar Portugal – os dois atletas trocaram palavras azedas. Em 2019, Évora voltou a criticar o processo de naturalização do luso-cubano.

“No início não vi com bons olhos todo o processo de naturalização dele. Foi e continua a ser, para mim e para muitos outros, algo de muita luta e um processo bastante longo”, disse o atleta. “Acho que não temos o direito de passar por cima de muitas coisas, de uma história. Por interesses clubísticos fizeram-se coisas inacreditáveis.”

Pedro Pichardo representa Portugal desde 2019, tendo conquistado vários primeiros lugares, incluindo a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Detém também o recorde nacional de triplo salto – uma marca que era, anteriormente, de Nélson Évora. Por outro lado, Évora veste a camisola portuguesa desde 2001, tendo somado mais de 15 medalhas de ouro nas diferentes provas internacionais, tendo sido campeão olímpico em Pequim 2008. É atualmente atleta do FC Barcelona.