Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Desporto

Cartões a mais: é difícil gerir emoções em excesso sem ter que ir ao bolso

É muito difícil arbitrar jogos em Portugal. A qualidade técnica de atletas e técnicos é elevada e dispensa apresentações, mas a sua propensão para o conflito, para o drama e para a simulação também.

Cartões a mais: é difícil gerir emoções em excesso sem ter que ir ao bolso

Um relatório recentemente divulgado pelo Observatório de Futebol (CIES) e que foi publicado no online da SIC Notícias, dava conta que as duas ligas profissionais em Portugal estavam entre as que tinham maior média de cartões exibidos por jogo.

O estudo, longo e exaustivo, abrangeu jogos de 76 competições profissionais em todo o mundo, entre 1 de janeiro de 2020 e 20 de março de 2023.

À "nossa" frente apenas alguns campeonatos sul-americanos, bem conhecidos pela dureza física dos seus jogadores e rivalidade histórica dos seus emblemas: o boliviano, o uruguaio, o venezuelano e o equatoriano.

As ligas europeias mais relevantes (inglesa, alemã, espanhola e italiana) têm média inferior, quer de cartões amarelos, quer de vermelhos. Não surpreende. No entanto, parece-me que a análise destes dados não pode ser tão ligeira e leviana como tem sido.

O carimbo habitual do "somos péssimos, andamos sempre atrás dos outros" é demasiado redutor aqui, porque não atenta, com serenidade e ponderação, aos verdadeiros motivos subjacentes a números desta dimensão: 6.04 cartões mostrados, por partida na segunda liga; 5,90 na primeira.

A pergunta que se deve colocar aqui é muito simples: porquê?

Porque é que os árbitros portugueses parecem mostrar uma tendência para serem mais disciplinadores, sobretudo quando dirigem jogos do segundo escalão? Será que eles são mais inseguros do que outros, de outros países? Mais autoritários? Ou terão maior dificuldade em controlar as incidências técnicas que lhes surgem pela frente? Será que, por cá, enfrentam jogadores (e treinadores) que habitualmente lhes criam dificuldades acrescidas?

Acho que a resposta certa mora um pouco por todas as questões levantadas.

É verdade que alguns árbitros, sobretudo os mais jovens e inexperientes, tendem a recorrer aos amarelos e vermelhos mais vezes do que os colegas veteranos, que têm mais quilómetros e traquejo. A sua insegurança e o facto de ainda não serem conhecidos (ou respeitados) leva-os a tentar impor a ordem com algum autoritarismo. Não fazem por mal. É um mecanismo de defesa de quem quer conquistar o seu lugar, um lugar que lutou muito para atingir.

Mas sejamos honestos: também em verdade que é muito difícil arbitrar jogos em Portugal. A qualidade técnica de atletas e técnicos é elevada e dispensa apresentações, mas a sua propensão para o conflito, para o drama e para a simulação também. É cultural, dizem uns. Faz parte da latinidade, referem outros. Se calhar sim. Mas a verdade é que quando alguns desses protagonistas aterram noutras paragens, rapidamente mudam o chip. Ou isso ou são ridicularizados por imprensa, adversários e até colegas de equipa. Ou isso ou são punidos a sério.

Não é fácil quando em cada jogo mais desafiante há gritaria esporádica, bancos de pé, braços no ar, quedas teatralizadas e conflitos por dá cá esta palha. Não há santo que resista. É muito difícil gerir emoções em excesso sem ter que ir ao bolso resolver a quezília com o cartão de ocasião. Há quem jure (pelos filhos que não tem) que sofreu um falta que, de facto, nunca sofreu

Os números agora divulgados são feios e colocam-nos do lado errado da fotografia. Isso é inegável. Mas isso deve merecer mão na consciência de todos os que estão em campo e não apenas um dedo indicador apontado aos suspeitos do costume.

É mais fácil, é certo, mas não é intelectualmente honesto.

Se cada qual fizer a sua autocrítica e assumir a sua quota-parte de responsabilidade, as coisas tenderão a melhorar rapidamente.

Foi assim com o tempo útil de jogo. Será assim com os cartões a mais também.