Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Desporto

A lengalenga de sempre: discursos que criam ondas de ódio quando as coisas não correm bem

Opinião de Duarte Gomes. Não me levem a mal, mas continuo sem perceber como é que alguns profissionais de topo continuam a justificar a maioria das suas derrotas com o velhinho "a culpa foi do árbitro".
A lengalenga de sempre: discursos que criam ondas de ódio quando as coisas não correm bem
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Não me levem a mal, mas continuo sem perceber como é que alguns profissionais de topo continuam a justificar a maioria das suas derrotas com o velhinho "a culpa foi do árbitro".

Volto a isto na sequência de declarações de um treinador português que, mais uma vez, voltou a bater no ceguinho do costume depois de não vencer um jogo.

Que fique claro: esta opinião não pretende defender decisões erradas ou desvalorizar o impacto que têm numa competição. É apenas saturação. Impaciência para ouvir dos mesmos essa velha lengalenga quando as coisas correm mal.

A vida dos treinadores - tal como a dos jogadores e dos árbitros - é desgastante. Acreditem, é mesmo. Não é fácil viver permanentemente no limbo e estar dependente de resultados para manter um trabalho, para sobreviver num mundo competitivo onde nem sempre se joga limpo.

Compreendo e respeito todos os homens e mulheres que abraçam essa nobre carreira.

Mas não consigo respeitar o discurso repetitivo e enjoativo que alguns insistem em atirar de cada vez que os resultados não aparecem.

Para quem tem dúvidas, é muito fácil identificá-los: quando ganham, nunca falam de árbitros. Está sempre tudo bem, a equipa foi fantástica, os erros acontecem a todos e de onde estavam, não viram o lance nem se aperceberam de nada; quando perdem, espumam de raiva, aparecem de cabelos no ar em frente aos microfones, falam de forma bruta, teatralizam raiva e vão-se embora logo de seguida, depois de atirarem mais do mesmo: "Somos pequeninos, não aceitamos que gozem connosco, exigimos respeito, chega de ser boa pessoa", etc e tal.

Com eles, é assim. É sempre assim.

Raramente erram, nunca preparam mal o jogo, não falham na abordagem nem se enganam na tática ou substituições. O árbitro é que asneirou forte e feio. O árbitro, o quarto árbitro, o árbitro assistente, o outro árbitro assistente, o vídeo árbitro, o assistente de vídeo árbitro e o Conselho de Arbitragem. Todos menos eles.

No meio disto tudo, uma pergunta muito simples:

- Será que não há alguém que diga a esta gente boa que isso fica-lhes mal? Que é tão repetitivo que soa a desculpa de mau perdedor? Que não demonstra a grandeza que se exige a um profissional de topo, sobretudo nos momentos em que tem que dar a cara e chamar a si a responsabilidade do que correu menos bem?

Para além dos fiéis seguidores, que só ouvem aquilo que lhes sopram ao ouvido, haverá mais alguém que engula essa narrativa semana após semana, época após época?

Um dos maiores problemas em insistir nessa forma de estar, nessa versão reiterada dos acontecimentos é que, quando até têm razão, quando a derrota até foi motivada por erros de arbitragem, ninguém acredita. Ninguém quer saber.

Como nota pessoal, percebo a frustração de quem sente que não atingiu o seu objetivo. Percebo a pressão a que estão sujeitos. Percebo a necessidade de desviar o foco de erros próprios e de evitar que coloquem os holofotes sobre os seus jogadores. Percebo a justificação para o patrão, percebo o instinto de sobrevivência, percebo a saída fácil, mas só quando acontece pontualmente. Quando é exceção ou quando tem fundamento técnico.

Nunca vou perceber o padrão.

Não se pode exigir ética a tanta gente na indústria e não exigi-la também a quem tem obrigação moral de a ter a toda a hora. É preciso que se perceba que a insistência em discursos desta natureza cria ondas de ódio com consequências inimagináveis na vida e carreira de agentes desportivos que merecem o mesmo respeito que todos os outros.

É uma questão de classe e essa, ou se tem ou não se tem.

Haja mais razoabilidade e respeito na hora de justificar desaires que, todos veem, nada teve a ver com arbitragem.