As mesas compostas como era habitual, os jogadores dispostos como era habitual. No fundo, a atmosfera de sempre, tão típica dos jantares de estágio. Os mais atrevidos, quiçá os mais culpados, até seriam capazes de jurar que nem faltava no teto da sala aquela nuvem de fumo tão denunciadora do último (ou do penúltimo...) cigarro do Mister. Ali ao fundo, na cabeceira, lá estava ele, equipado a rigor com o eterno blusão de fato de treino, o segundo maior vício da carreira do treinador que trocou a Banca pelos bancos e que até hoje manteve de pé a dependência do tabaco.
Maurizio Sarri, talvez por causa de tudo isso, nunca foi homem para proibir um copo de vinho aos seus craques. De vez em quando gosta de ludibriar os indefetíveis defensores do uso exclusivo da água mineral, o que só pode surpreender quem desconhece a eterna dívida de gratidão para com os prazeres da mesa. O início de um invejável roteiro pelos sabores mais ricos do futebol começou com os talheres dispostos em frente a um Calzona que cheirava aos negócios da venda de café por todos os lados e que não descansou enquanto não tirou o nó da gravata ao amigo com quem partilhava grão por grão a paixão pelo Calcio.
Vendedor de café e jogador do modesto Tegoleto (ironia das ironias, pertencente ao escalão Eccellenza na Itália), foi ainda no século XX que o “eslovaco” Francesco Calzona indicou pela primeira vez o nome de Maurizio Sarri como treinador de “méritos irrefutáveis” apesar de só ter durado um mês a experiência de degustação da Série B ao serviço do Avellino. O clube onde chegou a jogar Juary, um dos nomes míticos do “(re)nascimento” europeu do Porto, que na sexta-feira vai ser casa da seleção, não se encantou com as receitas originais da dupla Sarri/Calzona, mas a partir da etapa Arezzo o país Campeão da Europa viu crescer uma ligação só quebrada quando o Chelsea construiu além-Mancha uma sala de fumo reservada a um utilizador.
Dizem as más línguas, ou se calhar aquelas que não estão para perder muito tempo com as criações dos chefs, que entre o atual selecionador do próximo adversário de Portugal e o atual timoneiro do grande rival romano de Mourinho tudo se desmoronou, como não podia deixar de ser, num palco reservado às infindáveis refeições. O agora técnico da Lazio terá atribuído ao antigo adjunto a fuga de informação do supercontrato que o levaria para a capital inglesa e cujos alicerces terão sido esboçados de guardanapo no colo e com vista para o Vesúvio. Fossem quais fossem as razões para tanta lava ter derretido tantas memórias, no exército de colaboradores que lhe é proporcionado na infernal cozinha dos Blues, Sarri trabalha com Paulo Ferreira (outro filho do Dragão campeão da Europa), mas cede no final de uma temporada às saudades da comida de casa, limitando-se a fazer a (Stamford) Bridge para o ingresso na Juventus.
Exatamente 20 anos depois das primeiras idas ao mercado com Calzona, é já a fumar sem restrições nos estágios que orienta Cristiano Ronaldo na melhor das três temporadas italianas do capitão português, com o avançado a festejar em 2019/20 qualquer coisa como 37 golos e 6 assistências em 46 jogos, números que não alcançaria sob as ordens de Massimo Allegri e nem sequer treinado por Andrea Pirlo. Ou seja, quando entrar em campo daqui a quatro dias a liderar Portugal, Cristiano, mesmo que desconheça muitos pormenores, não deixará de transportar uma estória em comum com o treinador contrário, uma estória, apetece dizer, de mão cheia. Na edição 2020/21 da Série A, em dois jogos com o Cagliari, CR7 bisou (na primeira volta) e festejou um “hat trick” (segunda volta), com ambas as proezas a serem ainda testemunhadas pelo diligente Francesco na condição de técnico assistente dos homens que metiam as mãos no fogo e passavam pelas brasas devoradoras dos resultados na Sardenha.
Eusebio di Francesco que o diga... Calzona, esse, suportou tanto tempo o sol na ilha como Maurizio Sarri a chuva de Londres e antes de ingressar na seleção da Eslováquia ainda teve tempo para um breve regresso a Nápoles, onde mais uma vez na sombra viu um tal Luciano Spalletti começar o trabalho que conduziria Mário Rui ao título de campeão italiano.
O lateral-esquerdo português, que esta época não tem caído propriamente nas graças de Rudi Garcia (que por sua vez também não terá merecido grandes aplausos de... Cristiano Ronaldo enquanto esteve no banco do Al Nassr), voltou a ficar de fora das opções de Roberto Martinez e tão-pouco as lamentáveis circunstâncias que marcam a indisponibilidade quer de Nuno Mendes quer de Raphael Guerreiro (lesões prolongadas) viabilizaram o retorno à seleção A do defesa que nos últimos 10 anos apostou numa “dieta” rigorosa para poder digerir as lesões e ombrear com a elite.
Mário Rui, nas razoáveis instalações do Empoli de 2013/14 e de 2014/15, tinha na equipa (Massimo) Maccarone, (Simone) Verdi e até um (Diego) Laxalt em jeito de SOS para determinadas circunstâncias, cabendo a escolha dos ingredientes certos, claro, aos “inseparáveis” Maurizio Sarri e Francesco Calzona. Um pouco em contrapeso com aquilo que sucede com Portugal desde que Martínez elabora a lista do que precisa na Cidade do Futebol, já o Empoli desse tempo como que empratava mais a 4 a linha defensiva, disposição que Calzona conserva, por norma, na seleção da Eslováquia, quase sempre sistematizada de origem em 4x3x3. Melhor do que ninguém, o italiano percebe que o próprio Milan Skriniar, sob o efeito Luis Enrique no PSG, vai perdendo a habituação à defesa a 3 durante tanto tempo exercitada quando de Milan só tinha o primeiro nome e protagonizava um ciclo que durou seis anos no Internazionale.
Aliás, não por acaso, a par do croata Marcelo Brozovic (que passou a estar também ao serviço de Luís Castro), o capitão da Eslováquia foi o adversário que mais vezes (8) Cristiano Ronaldo defrontou em Itália e só um Manchester City que ganhou tudo o que havia para ganhar em 2022/23 impediu o central de se sagrar campeão da Europa. Simone Inzaghi, 13 anos depois da épica conquista continental de Mourinho pelos “nerazzurri” conseguiu fazer... 13 jogos na última edição da Liga dos Campeões e, lá está, apenas claudicou no derradeiro, embora com Skriniar sempre a seu lado, sentado no banco de suplentes no Olímpico de Istambul.
Esta sexta-feira, 13, tudo indica que o carismático Milan não vai experimentar uma sensação semelhante no mais que provável reencontro com Cristiano. Nascido a... 13 (de julho de 1973), Roberto Martínez (que só empatou... 13 vezes na liderança da Bélgica) não apenas fez regressar o dono da braçadeira à lista de convocados (cumprido o jogo de castigo ante o Luxemburgo) como chamou pela primeira vez à representação principal o cada vez mais entusiasmante João Neves. Há quatro anos, quando Fernando Santos ofereceu a primeira internacionalização A a outro João em pleno Dragão (jogo com a Suíça a contar para as meias-finais daquela Liga das Nações conquistada pelo engenheiro), Félix foi titular e Ronaldo “Empolizou” a data e marcou... três golos.
Estarão, pois, reunidas as condições para o jovem médio fazer história frente à Eslováquia, ele que hoje cumpre 19 anos e... 13 dias de idade e que, como está há muito documentado, faz questão de usar a camisola por dentro do Calzona, perdão, dos calções.
Será, mister Sarri, um vício como outro qualquer.