A falta que o VAR faz
No particular de ontem entre Espanha e Brasil, dirigido por um árbitro português, ficou bem patente a importância que a vídeo tecnologia tem no futebol moderno.
Hoje em dia, sem esse recurso, o jogo parece primitivo.
A limitação que as equipas de arbitragem sentem em campo é quase absurda. É que em alta competição (sobretudo aí) as jogadas são demasiado rápidas e os jogadores muito talentosos.
Para tomar uma má decisão, basta quase tudo: basta que o corpo de um jogador cruze o caminho do árbitro na hora errada; basta que o suor escorra para os olhos no momento mais delicado; basta que o ângulo de análise seja deficiente, para que a decisão fique distorcida; basta que o jogador "chame" pelo árbitro, para que a sua concentração seja beliscada; basta que a luz do sol impeça a melhor a visão do lance; basta que o jogador simule, engane ou invente faltas para que a dúvida fique instalada; basta que a proximidade à jogada adultere o ângulo de análise; basta focar nos pés e não ver a infração que acontece nos braços; basta focar nos braços e não ver a infração que acontece nos pés; basta ouvir a indicação do colega para perder o foco na ação, enfim... basta tudo e mais alguma coisa para que o certo vire errado.
Em circunstâncias tão desafiantes, a exposição ao erro é tremenda.
Na prática, serão sempre mais eficazes os árbitros que superem essas variáveis com distinção. Como em tudo na vida, isso pressupõe uma boa adaptação à realidade, aprender com a experiência e, acima de tudo, ter qualidade.
Mas um dos grandes problemas do futebol moderno é a incapacidade emocional de se perceber o que está por detrás da decisão, apontando o dedo ao suspeito do costume. Isso é muito claro, por exemplo, nos casos de simulação grosseira.
No Santiago Barnabéu foram erradamente assinalados dois pontapés de penálti, em lances que foram deliberadamente provocados pelos jogadores. Na verdade, o que houve ali tem um nome muito comum no jogo: batota. Ou seja, vontade consciente em enganar o decisor, para colher benefício direto disso. E chapeau aos jogadores em questão, bem sucedidos nos dois casos.
Como sempre, quem ficou mal na fotografia foi o enganado, não os enganadores. É que aos olhos do povo, o ludibriado é quase sempre o malandro. Já os craques da bola "só fizeram o que lhe competia". E dizer a esta gente que está errada?
O incidente em Huelva
Sejamos claros: as imagens até à data publicadas do treinador principal do FC Porto, num jogo de formação em Huelva, não mostram agressões ao árbitro nem comportamento particularmente perigoso e ameaçador.
Isso é tão certo quanto afirmar que, em boa verdade, o lugar de qualquer pai-adepto é na bancada e nunca dentro do relvado, a questionar o árbitro.
Neste caso, há duas agravantes que não podem ser ignoradas: a responsabilidade adicional de alguém com enorme mediatismo, que devia ter obrigação ética de refrear os ímpetos e controlar as emoções e, sobretudo, o facto da "situação" ter acontecido num torneio particular... de Sub/9!
Não há uma única atenuante lógica que justifique uma conduta inesperada como a que vimos, naquelas circunstâncias. Simplesmente, não faz sentido.
Nos jogos de formação, estão todos a aprender. E quando os árbitros não são meninos a dar os primeiros passos na função, são adultos com barriguinha e cabelos brancos, que estão a colaborar por amor à camisola, com a falibilidade e exaustão que a idade impõe.
São jogos amigáveis de crianças. Que interessa o penálti por marcar, o golo anulado ou o cartão mal exibido?!?
Dito isto, não contem comigo para alimentar teorias de ódio, de cancelamento ou de "assassinato de caráter". Pelo que se tem lido, dá a sensação que o mundo do desporto está cheio de santos e impolutos, tal a forma como tantos são tão lestos a atirar a pedra para o quintal do vizinho.
Olhar para dentro de casa, não?
Apurar responsabilidades sim, da forma certa e proporcional. Aprender, porque a idade também ajuda a deixar de fazer "parvoíces" movidas pelas emoções.
Quanto aos julgadores de bancada, se a busca por adrenalina continuar, uma sugestão: vejam bem o espetáculo a que assistimos, nas últimas 48 horas, na casa da democracia portuguesa.
Acima daquilo, haverá muito mais?