Duarte Gomes

Comentador SIC Notícias

Desporto

Opinião

Não contem comigo para alimentar teorias de ódio

Não contem comigo para alimentar teorias de cancelamento ou de "assassinato de caráter". Pelo que se tem lido, dá a sensação que o mundo do desporto está cheio de santos e impolutos, tal a forma como tantos são tão lestos a atirar a pedra para o quintal do vizinho.

Treinador do FC Porto, Sérgio Conceição
Treinador do FC Porto, Sérgio Conceição
LUIS FORRA

A falta que o VAR faz

No particular de ontem entre Espanha e Brasil, dirigido por um árbitro português, ficou bem patente a importância que a vídeo tecnologia tem no futebol moderno.

Hoje em dia, sem esse recurso, o jogo parece primitivo.

A limitação que as equipas de arbitragem sentem em campo é quase absurda. É que em alta competição (sobretudo aí) as jogadas são demasiado rápidas e os jogadores muito talentosos.

Para tomar uma má decisão, basta quase tudo: basta que o corpo de um jogador cruze o caminho do árbitro na hora errada; basta que o suor escorra para os olhos no momento mais delicado; basta que o ângulo de análise seja deficiente, para que a decisão fique distorcida; basta que o jogador "chame" pelo árbitro, para que a sua concentração seja beliscada; basta que a luz do sol impeça a melhor a visão do lance; basta que o jogador simule, engane ou invente faltas para que a dúvida fique instalada; basta que a proximidade à jogada adultere o ângulo de análise; basta focar nos pés e não ver a infração que acontece nos braços; basta focar nos braços e não ver a infração que acontece nos pés; basta ouvir a indicação do colega para perder o foco na ação, enfim... basta tudo e mais alguma coisa para que o certo vire errado.

Em circunstâncias tão desafiantes, a exposição ao erro é tremenda.

Na prática, serão sempre mais eficazes os árbitros que superem essas variáveis com distinção. Como em tudo na vida, isso pressupõe uma boa adaptação à realidade, aprender com a experiência e, acima de tudo, ter qualidade.

Mas um dos grandes problemas do futebol moderno é a incapacidade emocional de se perceber o que está por detrás da decisão, apontando o dedo ao suspeito do costume. Isso é muito claro, por exemplo, nos casos de simulação grosseira.

No Santiago Barnabéu foram erradamente assinalados dois pontapés de penálti, em lances que foram deliberadamente provocados pelos jogadores. Na verdade, o que houve ali tem um nome muito comum no jogo: batota. Ou seja, vontade consciente em enganar o decisor, para colher benefício direto disso. E chapeau aos jogadores em questão, bem sucedidos nos dois casos.

Como sempre, quem ficou mal na fotografia foi o enganado, não os enganadores. É que aos olhos do povo, o ludibriado é quase sempre o malandro. Já os craques da bola "só fizeram o que lhe competia". E dizer a esta gente que está errada?

O incidente em Huelva

Sejamos claros: as imagens até à data publicadas do treinador principal do FC Porto, num jogo de formação em Huelva, não mostram agressões ao árbitro nem comportamento particularmente perigoso e ameaçador.

Isso é tão certo quanto afirmar que, em boa verdade, o lugar de qualquer pai-adepto é na bancada e nunca dentro do relvado, a questionar o árbitro.

Neste caso, há duas agravantes que não podem ser ignoradas: a responsabilidade adicional de alguém com enorme mediatismo, que devia ter obrigação ética de refrear os ímpetos e controlar as emoções e, sobretudo, o facto da "situação" ter acontecido num torneio particular... de Sub/9!

Não há uma única atenuante lógica que justifique uma conduta inesperada como a que vimos, naquelas circunstâncias. Simplesmente, não faz sentido.

Nos jogos de formação, estão todos a aprender. E quando os árbitros não são meninos a dar os primeiros passos na função, são adultos com barriguinha e cabelos brancos, que estão a colaborar por amor à camisola, com a falibilidade e exaustão que a idade impõe.

São jogos amigáveis de crianças. Que interessa o penálti por marcar, o golo anulado ou o cartão mal exibido?!?

Dito isto, não contem comigo para alimentar teorias de ódio, de cancelamento ou de "assassinato de caráter". Pelo que se tem lido, dá a sensação que o mundo do desporto está cheio de santos e impolutos, tal a forma como tantos são tão lestos a atirar a pedra para o quintal do vizinho.

Olhar para dentro de casa, não?

Apurar responsabilidades sim, da forma certa e proporcional. Aprender, porque a idade também ajuda a deixar de fazer "parvoíces" movidas pelas emoções.

Quanto aos julgadores de bancada, se a busca por adrenalina continuar, uma sugestão: vejam bem o espetáculo a que assistimos, nas últimas 48 horas, na casa da democracia portuguesa.

Acima daquilo, haverá muito mais?