Economia

Carros europeus “comem” 15 milhões de pães por dia em biocombustível

Carros europeus “comem” 15 milhões de pães por dia em biocombustível

“Todos os anos queimamos nos nossos carros milhões de toneladas de trigo e outras culturas para alimentar os nossos automóveis. Isto é inaceitável face a uma crise alimentar global”, diz ONG.

A Europa transforma diariamente em etanol 10.000 toneladas de trigo, o equivalente a 15 milhões de pães por dia, para utilização em automóveis a gasolina, segundo um estudo hoje divulgado.

O estudo é da responsabilidade da ONG Transportes e Ambiente (T&E, na sigla original), uma organização de defesa de políticas sustentáveis para o setor dos transportes.

Em comunicado, a T&E alerta que o lóbi europeu dos combustíveis está a pressionar para que haja uma maior queima de culturas alimentares, apesar do colapso no abastecimento de cereais vindos da Ucrânia e da Rússia e de uma iminente crise alimentar mundial.

No documento a T&E apela a que se termine com a transformação do trigo e de outras culturas alimentares em etanol e considerou imoral a pressão para o aumento da produção de biocombustíveis, feita pelo setor, numa altura de escassez alimentar global.

“Todos os anos queimamos nos nossos carros milhões de toneladas de trigo e outras culturas para alimentar os nossos automóveis. Isto é inaceitável face a uma crise alimentar global. Os governos têm de parar urgentemente a queima de culturas alimentares nos automóveis para reduzir a pressão sobre os fornecimentos críticos”, disse, citado no comunicado, Maik Marahrens responsável na T&E pela área dos biocombustíveis.

O estudo indica que tirar o trigo dos biocombustíveis europeus iria compensar em mais de 20% a quebra no fornecimento de trigo ucraniano, em colapso devido à invasão do país pela Rússia, no mês passado.

Na quinta-feira um grupo de organizações não governamentais (ONG) europeias apelou aos governos dos vários Estados-membros para que suspendessem imediatamente a utilização de culturas alimentares para produção de biocombustíveis.

Mas há também apelos crescentes, especialmente entre o lóbi europeu dos biocombustíveis (ePure e European Biodiesel Board, citados pela T&E), para que o petróleo russo seja substituído por biocombustíveis produzidos a partir de culturas como trigo, milho, cevada, girassol, colza e outros óleos vegetais.

“Mesmo que a Europa duplicasse a área de terras agrícolas que dedica aos biocombustíveis – equivalente a pelo menos 10% das terras agrícolas da UE (União Europeia) para culturas – isto substituiria apenas 7% das importações de petróleo da UE da Rússia”, diz-se no comunicado.

Para substituir todas as importações russas de petróleo por biocombustíveis produzidos internamente, seriam necessários utilizar pelo menos dois terços das terras agrícolas do bloco europeu para a produção de culturas para biocombustíveis, acrescenta o comunicado.

Cerca de 27% do biodiesel produzido em Portugal em 2021 resultou da utilização de culturas alimentares

A associação Zero, uma das organizações ambientalistas portuguesas que faz parte da T&E, diz em comunicado que em Portugal, em 2021, cerca de 27% do biodiesel produzido resultou da utilização de culturas alimentares, principalmente colza, soja e óleo de palma.

Francisco Ferreira, presidente da Zero, diz no comunicado que a indústria dos biocombustíveis está a intensificar os seus esforços de lobby para pressionar a utilização de mais cereais como o trigo e o milho na produção de biocombustíveis, como forma de substituir o petróleo russo.

E acrescenta Maik Marahrens, responsável na T&E pela área dos biocombustíveis:

“Ao fazê-lo, de forma cínica está a tirar partido das preocupações das pessoas relativamente ao preço dos combustíveis, colocando o lucro acima da segurança alimentar. Isto é algo imoral, num cenário em que se assiste a milhões de pessoas em todo o mundo que não podem sequer pagar um pão”.

A Zero e as associações ambientalistas FAPAS (Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade), GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamen