A psiquiatra Ana Matos Pires explica à SIC Notícias que o facto de o Bispo de Santarém ter decidido manter em funções um padre condenado por abusos sexuais de menores alegando que o sacerdote sofre de depressão só serviu para alimentar o estigma da doença mental e para desculpabilizar um crime. A especialista diferencia, também, a pedofilia e o crime de abusos sexuais a menores.
“Nenhuma depressão, repito, nenhuma perturbação depressiva clínica justifica ou pode ser usada como motivo ou causa para um comportamento destes. Enquanto psiquiatra ofendeu-me. Isto reforça o estigma sobre a doença mental, parece-me que estão a ser ultrapassadas todas as barreiras razoáveis nestas opiniões que tem sido tomadas.”, refere a psiquiatra.
As explicações da doutora Ana Matos Pires ocorrem num contexto em que o bispo de Santarém afirmou que o padre condenado por abusos sexuais de menores que está no ativo não é um pedófilo compulsivo e que só cometeu os crimes por causa de uma depressão.
Porém, a psiquiatra considera que a Igreja não está a fazer um bom papel para remendar as ações cometidas ao longo dos anos e reveladas pela comissão independente em fevereiro.
“A Igreja achou que se ia safar, porque tinha feito a boa ação de criar a comissão. Aquilo que tem sido as reações posteriormente, mostram que efetivamente é lícito duvidar do bom coração e boa vontade e da sincera necessidade em que a situação seja mudada”, evidencia.
A diferença entre abusador e pedófilo
"A pessoa está sobre uma depressão e fez o que não devia. Essa depressão não se configura com um pedófilo compulsivo. Não é a mesma coisa", foram as declarações do bispo de Santarém.
A psiquiatra explicou que a perturbação depressiva não é causa, nem correlação com o abuso sexual de menores e esse abuso não diz respeito diretamente à pedofilia.
“Abuso sexual a menores é um crime, ponto. A pedofilia é uma perturbação parafílica que causa desejo por crianças ou adolescentes, isso determina sofrimento no próprio. A pessoa tem consciência ética e moral daquilo que é o seu desejo.”, explica Ana Matos Pires.
Por isso, uma pessoa condenada por abusos sexuais a menores “não” é pedófila, segundo a psiquiatra.
“A maior parte dos abusos sexuais de menores perpetuam-se com raparigas através de sujeitos muito próximos delas, nomeadamente pais, tios e não têm um desejo primeiro sobre crianças. Nem todos os pedófilos são abusadores de menores, nomeadamente aqueles que pedem ajuda para evitar o exercício desse desejo. A maioria dos crimes de abusos de menores não são perpetrados por pessoas com perturbação parafílica”, concluiu.
Abusos sexuais na Igreja
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica divulgou, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, as conclusões do trabalho realizado ao longo de 2022 e que resultou na recolha de centenas de testemunhos de vítimas. O documento foi entregue este domingo à Conferência Episcopal Portuguesa.
No primeiro relatório do género divulgado em Portugal, admite-se que terá havido “no mínimo” 4.415 vítimas de abusos sexuais na Igreja.
Veja aqui o relatório completo - “Dar Voz ao Silêncio”.