Aos 58 anos, João Mota é um dos mais experientes treinadores portugueses além-fronteiras. Já treinou em oito países, entre Europa, África, Ásia e América do Sul.
Atualmente, cumpre a segunda passagem pelo comando técnico do Al Hussein, o “único clube grande” em Irbid, a segunda maior cidade da Jordânia. Uma dimensão que transporta muita exigência: “Os adeptos são fanáticos. Eles adoram futebol”.
O impacto da guerra: “No dia 7 de outubro apanhei um susto”
Apesar de treinar numa cidade situada junto às fronteiras com Israel, a Síria e o Líbano, o treinador João Mota acreditava que o impacto da guerra no Médio Oriente “nunca chegaria” à Jordânia. Até que, a 7 de outubro, dia que marcou o início do conflito entre Israel e o Hamas, viveu uma experiência assustadora.
“Estava no hotel, os jogadores chamaram-me, começaram a apontar [para o céu] e estavam a passar mísseis. (…) Estávamos a ver os mísseis a passar por cima de nós. Fiquei em pânico”, conta.
“Têm fotos do Rei e da Rainha em todo o lado. São pessoas muito queridas do povo”
A Jordânia, uma monarquia com mais de 100 anos, tem, na família real, figuras centrais, não só para o país, mas também na imagem que passa para o mundo.
João Mota afirma que existe um sentimento nacional de adoração pela Rainha, pelos príncipes, mas principalmente pelo Rei Abdullah II, “uma pessoa simples” que ocupa o trono desde 1999.
“A gastronomia é espetacular”
Cristão, o treinador português confessa nutrir um “sentimento especial” pela Jordânia, um país de contrastes sociais onde já teve oportunidade de conhecer diversos locais históricos da Bíblia.
Nas estradas, o caos é o característico de vários países daquela região do globo: “Eles não respeitam nada. Veem-se carros em sentido contrário, atravessam a estrada de qualquer forma, não olham… É uma loucura”, afirma João Mota.
À mesa, a conversa é outra. “A gastronomia é espetacular. (…) E eu, como sou guloso… Os doces aqui são muito bons. Fico maluco”, confessa o técnico.
“A polícia manda-me parar e chega a querer tirar fotos comigo”
Distanciado de Portugal há vários anos, João Mota não culpa o país que o viu nascer pela ausência de oportunidades para, por cá, treinar. Além disso, sente-se realizado com tudo o que conquistou no estrangeiro.
“Tenho conseguido, por onde passo, bons resultados. (…) Há uma certa idolatria em relação a mim [na Jordânia]. A qualquer lado que eu vou, seja em Amã, seja aqui, a polícia manda-me parar e chega a querer tirar fotos comigo”, revela.
Oriundo de “famílias simples”, o treinador português considera-se “uma pessoa muito ligada ao ‘povão’", que gosta de estar junto do povo. “Se calhar por causa do meu caráter, sou acarinhado em todos os lados”.
“Tive grandes dificuldades e passei fome. Comecei a trabalhar aos 11 anos”
Nascido e criado no bairro da Musgueira, em Lisboa, ainda em pleno Estado Novo, João Mota revela que vivia em barracas, tinha sete irmãos e pai e mãe analfabetos, que “não nos conseguiam dar educação”.
“Tive grandes dificuldades e passei fome. (…) Depois fui viver para o Barreiro, onde comecei a trabalhar aos 11 anos. Deixei a escola, a minha mãe disse-me que a escola não dava dinheiro”, recorda.
É nesse período que o futebol surge na vida de João Mota. Dá nas vistas no Barreirense e é ‘resgatado’ pelo Sporting, que o acolhe. No lar dos jogadores, que em 2000 mudou de localização - de Alvalade para Alcochete - viveu com figuras icónicas do clube leonino, como Paulo Futre ou Fernando Mendes.
“Comecei a ter cama, comida e roupa lavada. A minha vida deu um boom. Comecei a ganhar dinheiro, coisa que nunca tinha tido na minha vida”, conta o treinador.
Uma nova e repentina realidade que acabou por acarretar alguns excessos: “Aos 26, 27 anos, comecei a cometer exageros. A nível de carros, de roupas, coisas absurdas”.
“Deus tirou-me do fundo do poço”
João Mota lembra os tempos de infância e as idas à igreja evangélica, onde encontrou a “salvação” e um novo rumo para a vida, finda a carreira de futebolista.
“Mudei os meus costumes, mudei a minha forma de pensar, mudei a minha forma de falar com as pessoas. (…) Não me orgulho do homem que sou, porque não sou nada, mas se hoje sou uma pessoa vista com respeito pelos outros, agradeço-o sempre a Deus. Foi Ele que me tirou do fundo do poço”, admite o técnico português.
“O presidente chamou-me para ir a casa dele e aparece um carro blindado e um condutor com uma G3 na mão”
João Mota recorda ainda as passagens enquanto treinador pelo Dubai, “com todas as suas extravagâncias”, e pela República Democrática do Congo, onde “as ruas cheiravam mal” e havia “buracos por todo o lado”.
Precisamente no Congo, recorda uma experiência que lhe valeu “um grande susto”. “O presidente chamou-me para ir à casa dele. Eu estava no hotel, vim até à porta e aparece um ‘carrão’ preto, todo blindado. (…) Sai o condutor, com um capacete, roupa de exército, com uma G3 na mão…”.
O resto da história é contada pelo treinador português neste episódio do Além-Fronteiras, no qual João Mota aponta ainda os objetivos para a presente temporada, no Al Hussein.