As alterações climáticas têm algo de semelhante às epidemias: o chamado efeito boomerang. A atenção política e mediática oscila entre a extrema preocupação e a quase total indiferença consoante os problemas sejam ou não palpáveis. Durante cheias, ondas extremas de calor ou perante surtos de vírus ou bactérias, os esforços juntam-se e há a promessa de que tudo será feito para que as lições sejam aprendidas. Mais ainda quando a danos patrimoniais acrescem doenças, mortes ou outras privações da vida quotidiana.
Mas, passados os tempos mais difíceis, o compromisso com a mudança, com a sustentabilidade e com o evitar os erros do passado dá lugar à inércia. Pouco muda face às promessas feitas e o que causou o problema, em grande medida, mantém-se. Uma vez passado o sufoco, a questão é atirada para trás das costas como se desconhecesse que regressará, mais cedo ou mais tarde, de forma exatamente igual ou com diferenças, e, talvez, a um ritmo mais intenso.
Aconteceu com a Covid-19. Durante meses a fio a preocupação foi com as zoonoses, o motivo de existirem e de se propagarem de forma tão rápida pelo globo. Como que por magia, parece que desapareceram. Só que não: existem e espera-se pela próxima, com impacto na vida coletiva para que as mudanças necessárias voltem a ser discutidas. Preparação e aprendizagem? Pouca ou nenhuma perante o que se viveu.
Algo de semelhante acontece com as alterações climáticas. É preciso o sul da Europa estar a ser assolado por uma forte onda de calor – julho terá sido o mês mais quente na Grécia em 50 anos – para se recentrar a atenção no problema e reencontrar a mobilização quanto à necessidade de soluções perante mortes, sobrecarga dos cuidados de saúde, colheitas desfeitas, destruição de habitações e racionamento de água.
Entre as soluções está o modo como os alimentos são produzidos, transportados e consumidos. O tema é incómodo, tal como qualquer outra coisa com o potencial de importunar os estilos de vida a que nos acostumamos e assumimos como parte do direito individual. Só que, tal como acontece a respeito do tabaco – e qualquer outro consumo – não se esqueça o quanto as opções individuais resultam de estímulos comerciais, culturais, étnicos, políticos, de classe e de género.
Que não restem dúvidas: os sistemas alimentares são responsáveis por 1/3 das emissões com efeito de estufa decorrentes da vida humana. Os sistemas alimentares irão continuar a afetar e a ser afetados pelas alterações climáticas. Medidas urgentes são necessárias, não apenas devido aos eventos climáticos extremos, mas também porque a nível mundial espera-se a diminuição da quantidade e qualidade dos alimentos disponíveis. O resultado não é difícil de imaginar, incluindo migrações forçadas, especulação de preços e iniquidades que atentam contra os direitos humanos. A estimativa de pessoas diretamente afetadas é significativa, entre 3.3 e 3.6 biliões, pelo que é difícil pensar que este problema não nos diz respeito.
Mas é possível fazer uma discussão séria sobre a forma de enfrentar os desafios da alimentação perante a urgência das alterações climáticas, sem entrar em argumentos espúrios sobre a alteração de hábitos alimentares. Claro que algo terá de mudar também a esse nível, mas não antes de muitas outras coisas terem mudado.
O consenso é que as mudanças ao nível da ocupação dos solos, de retenção e utilização da água, de adaptação do tipo de plantações e de explorações animais em função das localizações, da inclusão de meios técnicos mais sustentáveis e de redução de desperdício serão mais exemplos de inércia do que de impossibilidade política ou financeira. As mudanças têm ocorrido a um ritmo demasiado tímido e fragmentado, perante a urgência do problema e da solidez da evidência científica, a propósito das causas e soluções.
A verdade inconveniente é que a mobilização e a noção de urgência são residuais face à realidade do problema. O boomerang irá voltar.