Coronavírus

Portugal desaconselha vacina da AstraZeneca para maiores de 65 anos. Porquê?

A Direção-Geral da Saúde decidiu não recomendar a vacina da AstraZeneca para os maiores de 65 anos. Dois investigadores explicam à SIC Notícias o porquê: É uma questão de prudência? A vacina é segura e eficaz? E que impacto pode ter a decisão na campanha de vacinação?

Portugal desaconselha vacina da AstraZeneca para maiores de 65 anos. Porquê?
Shwe Paw Mya Tin

A Direção-Geral da Saúde desaconselhou esta segunda-feira o uso da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca/Oxford em pessoas com mais de 65 anos, até novos dados estarem disponíveis. Todavia, numa nota, esclarece que "em nenhum momento" a vacinação neste grupo etário deve ficar comprometida. À falta de outra vacina, deve optar-se pela da AstraZeneca.

A diretiva da DGS acompanha a decisão de outros países europeus, nomeadamente, da Alemanha, Polónia, Áustria, Holanda, Suécia e Noruega, que optaram por não administrar esta vacina a pessoas com mais de 65 anos por considerarem que não existem provas significativas e suficientes da eficácia do fármaco nos mais idosos.

"Não há uma robustez estatística que permita dizer com precisão qual a eficácia desta vacina nos maiores de 65 anos", explica o investigador Henrique Veiga-Fernandes da Fundação Champalimaud.

No entanto, Henrique Veiga-Fernandes ressalva que a vacina induz uma resposta imunitária muito robusta e lembra que a Agência Europeia do Medicamento deu luz verde para a sua distribuição na União Europeia.

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Portugal já recebeu 43.200 doses da vacina da AstraZeneca/Oxford, de um total de 200 mil e a próxima entrega deverá ocorrer ainda este mês.

Nesta primeira fase, deverá ser aplicada a elementos das Forças Armadas, forças de segurança e bombeiros, que são considerados prioritários mas têm uma idade inferior aos 65 anos.

Em breve, a recomendação da DGS poderá mudar, considera o investigador da Fundação Champalimaud, até porque a AstraZeneca continua os ensaios clínicos que já estavam em curso e iniciou novos para esclarecer a eficácia da vacina nos maiores de 65 anos e nos menores de 18.

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Perguntas e Respostas

Questionámos o investigador do Instituto de Medicina Molecular, Miguel Castanho, acerca da decisão da Direção-Geral da Saúde e o impacto que esta pode ter na campanha de vacinação e na perceção que os portugueses têm da vacina.

SIC: Esta falta de informação é suficiente para deixar de fora uma vacina que irá estar disponível em grandes quantidades em Portugal?

MC: Não está em causa deixar de fora por completo, mas deixar de fora para a população mais idosa. Para proteger as pessoas e atingir a imunidade de grupo, protegendo a população, não basta vacinar; é preciso que as vacinas tenham efeito, isto é, que sejam ativas e imunizem.

Se uma vacina não for eficaz, a vacinação perde sentido: nem a pessoa fica suficientemente protegida, nem contribui significativamente para a imunidade de grupo.

A vacina de Oxford tem uma eficácia média de 70%, o que não deixa grande margem para decréscimos de atividade, nem devido à idade dos beneficiários, nem devidos a mutações do vírus. Acresce que os testes feitos com a vacina não incluíram muita gente idosa e não oferecem garantias estatísticas de atividade mínima nessas faixas etárias.

Havendo outras vacinas alternativas, sem estas dúvidas associadas, parece razoável e prudente vacinar população prioritária abaixo dos 55 ou 65 anos com esta vacina e utilizar as restantes para os mais idosos.

SIC: É uma questão de prudência?

MC: Sim, como respondi antes, mas é muito importante realçar que a prudência se deve à atividade, não à segurança. Isto é, a prudência não vem do facto de se suspeitar que a vacina faça mal, mas de se suspeitar que possa não fazer suficientemente bem. São questões muito diferentes e é muito importante ter esta diferença bem clara e presente.

SIC: O Reino Unido alega ter recebido informação adicional que lhe permite concluir ser seguro vacinar toda a população com esta vacina. Portugal deveria pedir também essa informação?

MC: Não é uma questão de ser seguro ou não, é uma questão de estar a fazer uma vacinação eficaz ou não. Vou dar um exemplo puramente abstrato, com números fictícios. Se vacinarmos 100% da população com uma vacina 50% eficaz, só metade da população fica, efetivamente, imunizada.

Se necessitarmos de um valor muito superior a 50% para atingir a imunidade de grupo, esta meta fica comprometida. Estes números são inventados para ilustrar, numa caricatura, o que quero dizer.

Não é uma questão de ser seguro, é uma questão de ser eficaz.

SIC: O facto de Portugal desaconselhar a vacina a maiores de 65 anos pode tornar-se num fator de desconfiança para os que a vão receber?

MC: Potencialmente, sim, pode. O risco existe. É um desafio saber comunicar "prudência de segurança" versus "prudência de eficácia", mas estes são os desafios efetivos da saúde pública, da ciência e da comunicação.

Se não conseguirmos explicar esta diferença à população em geral, médicos, cientistas e jornalistas também terão falhado. Combater uma pandemia exige a participação ativa de todos.