Fadiga permanente, falta de memória, dores musculares ou nas articulações, uma "névoa mental". É conhecido como covid de longa duração e os sintomas duram muito mais que a infeção covid-19.
Um estudo recente, desenvolvido pela Sociedade Espanhola de Médicos Gerais Familiares, entrevistou 2.120 pessoas para identificar a presença de sintomas associados com a infeção pelo novo coronavírus. Destas, 1.834 apresentavam indícios compatíveis com covid de longa duração.
O perfil típico desta síndrome é um paciente do sexo feminino, na casa dos 40 anos que apresenta, em média, 36 sintomas. Apesar da infeção pelo novo coronavírus ser mais severa e frequente em homens, a covid de longa duração parece afetar mais as mulheres, representando perto de 80% dos casos identificados nos estudos.
As histórias de pessoas que sofrem desta síndrome foram captadas pela fotojornalista Susana Vera, da Reuters. Oito mulheres e dois homens foram retratados através de um plástico azul que representa a “névoa” com que vivem os seus dias devido a esta condição. Ao lado dos retratos, surgem os principais objetos que cada um identificou como sendo importantes na recuperação deste síndrome.
Teresa Dominguez, 55 anos
Foi durante uma ida às compras, perto de sua casa, que Teresa Dominguez se apercebeu que estava a vaguear sem rumo entre os corredores da loja. Não fazia ideia do que precisava comprar. Decidiu pagar o que já tinha agarrado e seguir para casa.
A “névoa mental”, como a descreve, impede-a de se concentrar e a fadiga que sente depois de realizar uma simples tarefa diária tem condicionado a sua vida no último ano. Foi infetada pelo novo coronavírus em março de 2020 e, desde então, esta condição afeta o seu dia-a-dia.
“Eu comecei a escrever um diário porque, quando o médico perguntava sobre os meus sintomas, eu não me conseguia lembrar deles. Ao início os médicos não sabiam muito sobre covid de longa duração e eu senti que poderia ajudá-los, e a outras pessoas na minha situação, ao fornecer-lhes aquelas informações”, esclarece.
Teresa Dominguez conta ainda que “tem sido difícil fazê-los acreditar que estamos realmente doentes e que não estamos a inventar isto”.
Susana Matarranz, 44 anos
As saudades dos alunos deixam Susana Matarranz emocionada. A professora primária foi infetada pelo novo coronavírus a 1 de março de 2020. A falta de paladar e de olfato foram os primeiros sintomas que identificou, mas rapidamente se apercebeu que sofria de problemas graves de estômago e dor aguda nas articulações.
“A minha clavícula direita está inchada. Mal consigo levantar o meu braço, sinto que envelheci prematuramente”, conta.
Em setembro, depois de ter recuperado da covid-19, a professora regressou à escola para dar aulas, mas voltou a contrair o vírus dois meses depois, em novembro. Desde então, não exerceu mais.
“A parte de mim que é a minha profissão ficou vazia, como o quadro. Uma parte do meu coração, que são os meus alunos, que eu amo muito, parece vazia e eu sinto-me assim neste momento e não há nada que eu possa fazer para preencher isso”, explica ainda.
Nuria Sepulveda, 44 anos
Adoeceu em março de 2020, durante a primeira vaga da pandemia. Teve de ir às urgências várias vezes devido aos sintomas que a doença lhe causava, tendo sido diagnosticada com pneumonia intersticial bilateral, sangramento intestinal, infeção de urina, entre outros.
Em novembro tentou voltar ao trabalho, mas a fadiga era de tal forma esmagadora que não conseguiu regressar. "Três horas de trabalho pareciam um dia com 12 horas de trabalho”, lembra.
Também a prática de desporto, que fazia parte do dia-a-dia de Nuria Sepulveda antes da doença, teve de ser interrompida. A data em que o seu corpo lhe permitiu voltar a andar de bicicleta ficou marcada na sua memória.
“Quando eu senti que a fadiga que me tinha arrastado durante meses estava um pouco melhor, eu peguei na minha bicicleta. Era dia 28 de setembro. Nunca vou esquecer, foi o primeiro dia em que fui capaz de praticar desporto novamente. Não consegui conter as lágrimas”, conta.
Shalini Arias, 23 anos
Os médicos encolhiam os ombros quando Shalini Aris enumerava os sintomas que tinha. Foram os familiares e amigos que lhe prestaram apoio durante a doença.
“Eles não me julgaram, ajudaram-me a aprender a viver com isto da melhor forma possível”, afirma.
E é esse apoio que está representado na tatuagem que exibe. Com a ajuda de uma amiga que desenha tatuagens, Shalini Aria conseguiu imortalizar o amor da família, amigos e colegas que a acompanharam neste processo.
“Significa crescimento e amor, o amor e apoio que eu senti de todas as pessoa que me ajudaram a ultrapassar estes tempos difíceis”, acrescenta.
Pedro Sanchez-Vicente, 56 anos
Foi infetado pelo novo coronavírus em março e passou 100 dias entubado numa unidade de cuidados intensivos. Depois de ter tido alta, começou a desenvolver sintomas associados a covid de longa duração.
“Não sou um caso típico de covid de longa duração, porque a maior parte destes pacientes não tiveram hospitalizados ou não por muito tempo, ao contrário de mim. Mas eu partilho com eles a névoa mental, a parestesia, os problemas auditivos, a conjuntivite, os herpes oculares. Pode-se dizer que sou um híbrido”, afirma.
É no cadeirão que agora passa a maior parte dos seus dias. A família comprou-o como surpresa, uma vez que Pedro Sanchez-Vicente não conseguia manter-se em pé durante muito tempo e tinha dificuldade em respirar quando estava deitado na cama.
“Tenho vivido, praticamente, neste cadeirão durante o último ano. Até agora, dou por mim a dormir nele durante horas todas as noites porque tenho dificuldade a respirara na cama”.
Maria Eugenia Diez, 43 anos
O exercício físico e a participação em congressos médicos ficaram para trás. Depois da covid-19, Maria Eugenia Diez, enfermeira numa unidade de cuidados intensivos, passou a sentir dificuldade em concentra-se. Também a resistência física ficou afetada.
“A primeira vez que tentei nadar na minha piscina, pensando que a água poderia ajudar a melhorar os meus sintomas, foi muito angustiante. Comecei a sentir falta de ar, quanto mais submergia na água. Tive de me sentar nos degraus e deixar a água até à minha cintura para recuperar o folgo”, recorda.
No exercício da sua profissão, Maria Eugenia Diez sente-se como uma novata, mesmo depois dos 20 anos de experiência. Foi forçada a inventar rotinas para se lembrar das tarefas diárias que antes realizava automaticamente.
“Estou a adaptar-me ao que tenho, vou aproveitar o que tenho agora e não posso continuar a pensar sobre o que tinha antes. É difícil, porque vou sentir muita falta disso”, acrescenta para explicar como sente que perdeu parte da sua identidade.
Beatriz Perez, 51 anos
Para Beatriz Perez, os fins de semana costumavam ser sinónimo de atividades de trekking. Agora mal consegue completar o desafio pessoal de descer as escadas dos oito andares do seu apartamento. Subir, ainda é pior.
“Um dia tentei, no mínimo, descer as escadas e nem pensava que iria conseguir descer dois andares, estava com tantas dores. Senti-me desapontada. Será que vou poder viver uma vida normal outra vez?”, questiona.
Há um ano que vive com fadiga constante, dores musculares e nas articulações e falta de memória. Mas é a incerteza que custa mais: não saber quando ou se irá recuperar totalmente.
Para aliviar o peso que estes sintomas têm, Beatriz Perez decidiu iniciar uma aula online destinada a pessoas que também sofrem de covid de longa duração. “Se não fosse a meditação, eu provavelmente já estaria a antidepressivos”, acrescenta.
Amaia Artica, 42 anos
Fadiga permanente, dores musculares e nas articulações, insónias, constantes falhas de raciocínio. São estes os sintomas que Amaia Artica sente devido à síndrome de covid de longa duração e que a impedem de continuar o seu trabalho numa escola de enfermagem.
A "névoa mental" é de tal forma intensa que, certos dias, Amaia Artica dá por si a fixar uma parede branca, sentindo-se “fora de si”. Faltam-lhe palavras para expressar o que pretende, faltam-lhe as memórias de como realizar tarefas simples. Para além disso, sobre também de febre baixa diária, um sintoma que chegou a ser menosprezado por alguns médicos.
“O meu médico de família foi muito solidário comigo durante este período, mas nem todos os médicos têm sido compreensivos. Um médico especialista disse-me para parar de tirar a minha temperatura, que se eu não prestasse atenção a isso, iria desaparecer porque era tudo na minha cabeça”, partilha.
Anna Kemp, 51 anos
Anna Kemp é britânica, mas vive em Espanha há quase 30 anos. A comunicação em espanhol tornou-se mais complicada desde que teve covid-19. “Falta-me a agilidade [mental], sinto que estou a comunicar através de um vidro de cristal”, conta.
Também ao nível físico, os sintomas mudaram a vida de Anna Kemp. Devido à fadiga permanente, foi forçada a deixar a dança, a natação e as caminhadas que costumava fazer.
“A primeira vez que consegui caminhar entre o parque e a minha casa, senti como se conseguisse voar. São apenas alguns metros de distância, e eu tive de me sentar para descansar. Mas senti que o mundo todo se tinha aberto para mim. Eu costumava ir a pé a todo o lado e foi como se estivesse a caminho de algum sítio novamente. Tinha a ideia de que a minha recuperação estava à minha frente, mas depois apercebi-me que não era essa o caso”, lembra.
Jorge Martin, 44 anos
Desde que foi infetado pelo novo coronavírus, durante a primeira vaga da doença, que Jorge Martin não voltou ao trabalho. A covid de longa duração afeta-lhe a capacidade cognitiva e é responsável por uma longa lista de problemas físicos.
“Eu não imaginava, na minha idade, usar objetos de reabilitação, mas dou-lhes as boas vindas porque têm-me ajudado com as minhas dores físicas e dão-me algum alívio na angustia de olhar para o calendário e perceber que passou um ano e eu ainda não recuperei”, conta.
Uma das preocupações de Jorge Martin é o impacto que esta síndrome tem no seu trabalho como chefe de uma associação de ensino superior.
“Esqueço-me dos nomes dos meus familiares, até da minha própria matrícula. No outro dia, estava a tentar escrever alguma coisa e apercebi-me que estava a escrever outra vez o que tinha escrito dois dias antes. O meu trabalho é intelectual, o que vou fazer quando isto piorar?”, questiona.
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