A segurança e a alimentação são prioritárias no apoio das famílias deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado, Moçambique, mas a covid-19 é uma ameaça constante, pois medidas simples como o distanciamento ou a lavagem das mãos são quase impossíveis.
No distrito de Metuge, a Ajuda em Ação, uma organização de origem espanhola, presente em Portugal, em conjunto com as autoridades locais e organizações internacionais, apoia mais de 10.000 famílias deslocadas, incluindo 34.000 crianças e jovens, ao nível do abrigo, acesso a água e saneamento básico, educação e proteção de vítimas de violência.
Segundo as Nações Unidas, nos primeiros quatro meses do ano registaram-se, em Cabo Delgado, 16 mortes, 3.400 casos de cólera e 240.000 crianças estão numa situação de desnutrição aguda.
Cabo Delgado é uma das províncias moçambicanas com maior número de casos de covid-19, mas a situação dos campos não facilita o combate à pandemia.
Segundo a coordenadora de Ajuda Humanitária da ONG em Moçambique, Abide Nego, "a situação da covid-19 vem agravar tudo ainda mais".
"Embora existam esforços para garantir a sensibilização nos centros de acomodação, há dificuldade em distribuir máscaras", acrescentou.
Garantir o distanciamento social nos centros ou fora deles também não é fácil.
"Com a família de acolhimento chegam a viver debaixo do mesmo teto mais três ou quatro famílias deslocadas", referiu Abibe Nego, prosseguindo: "A lavagem das mãos parece uma medida muito simples, mas para as pessoas que não têm acesso a água é impossível".
Até ao momento, não existem casos registados de covid-19 nos centros, em parte devido à falta de condições e material para testar a população.
Contudo, as organizações que estão a apoiar os deslocados temem que a situação possa agravar-se, porque é impossível neste contexto verificar a existência de casos positivos e assegurar todas as medidas necessárias de prevenção contra a disseminação do novo coronavírus. E apenas um caso pode levar a uma situação de rápida propagação que comprometa totalmente um sistema de saúde que é, por si só, já muito frágil.
A violência que se tem registado em Cabo Delgado desde 2017 resultou em 2.800 mortos e 732.000 pessoas deslocadas. Milhares de pessoas têm sido obrigadas a deixar toda a sua vida para trás, muitas vezes só com a roupa que levam no corpo, na esperança de encontrarem segurança e abrigo.
"Cerca de 46% são crianças e jovens, vítimas deste conflito armado, que, por vezes, acabam por se perder das suas famílias no momento dos ataques e chegam sozinhos, desorientados e com medo, depois de terem caminhado a pé durante dias a fio ou de viajarem em autocarros locais lotados de deslocados ou em transportes aéreos que os retiraram das zonas de conflito", alerta a Ajuda em Ação.
Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) apontam para 1.410 crianças separadas das suas famílias e que se encontram em campos de deslocados.
Estas crianças são acolhidas em campos de deslocados ou famílias anfitriãs, mas o alívio da chegada para muitos levanta "consequências graves para os já escassos recursos" de outros, ressalva o diretor regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados na África Austral, Valentín Tapsoba.
As necessidades vão muito além de abrigo e segurança, particularmente no caso das crianças que precisam de assistência alimentar e médica, apoio psicológico, formação educativa e ferramentas que lhes permitam construir e idealizar um futuro melhor, distante da violência que conheceram nestes últimos anos e que terá um grande impacto a longo prazo na sua vida, embora ainda difícil de avaliar, alerta a Ajuda em Ação, neste Dia da Criança Africana.
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