Coronavírus

A origem da covid-19 (parte II): o porquê das dúvidas

Mercado Huanan, China
Mercado Huanan, China
Getty Images

Opinião de Tiago Correia, comentador SIC e professor de Saúde Internacional.

Sendo a evidência atual mais robusta de que o epicentro da covid-19 foi no mercado chinês de Huanan, impõe-se a pergunta: o que explica tantas e tão diversas dúvidas sobre a origem do vírus?

Houve dúvidas científicas, que são próprias do método científico. Hipóteses de investigação não são descartadas sem a devida fundamentação e instrumentos de análise são aplicados de forma metódica e o mais isenta possível.

Houve dúvidas da população em geral, as quais misturam informações de diferentes fontes. A argumentos científicos a que se prestam mais ou menos atenção conforme as circunstâncias, juntam-se crenças e prenoções, mas também convicções políticas e partidárias, e graus variados de confiança e desconfiança nas instituições que governam a vida coletiva. As opiniões leigas representam verdadeiros cosmos de saberes. Circulou na opinião pública que o vírus não passava duma constipação, que tinha sido criado para controlar as pessoas ou que era uma forma de implantar a tecnologia 5G através das vacinas.

As dúvidas científicas e leigas são legítimas, ainda que por motivos diferentes. As primeiras, porque a motivação é a genuína procura das causas dos problemas. As segundas, porque é inevitável dada a natureza social das pessoas, cabendo às instituições sociais (política, tribunais, ciência, jornalismo, entre outras) o esclarecimento público justo, adequado e transparente.

Houve ainda as dúvidas das pessoas que fazendo parte da comunidade científica orientaram as suas posições por argumentos circunstanciais, parcelares, muitas vezes associados a crenças e prenoções, mas também a convicções políticas e partidárias. É uma utilização abusiva da ciência porque são raciocínios apriorísticos, fechados e orientados por causas que não a genuína compreensão dos problemas. Pode ser a procura de protagonismo ou, mais grave, a crença de que se domina com maestria todas as matérias científicas.

Não incluo aqui os cientistas que manifestaram dúvidas motivadas por posicionamentos disciplinares fechados. Ainda que tais posicionamentos sejam demasiado incompletos para abarcar a complexidade duma sindemia como é a covid-19, a motivação destes cientistas difere muito do exemplo anterior.

Mas a ciência faz o seu caminho e esse caminho inclui investigar o que justificou posições tão desfasadas da realidade verosímil. O que se tem investigado é que as pessoas que mais discordaram das medidas amplamente usadas (distanciamento social, utilização de máscara, confinamentos ou o processo de vacinação) são as que menos confiam nas instituições sociais. E isto também se aplica a cientistas que desconfiam das instâncias científicas, a jornalistas que acham que a verdade é aquela que se mantém sempre oculta ou a políticos ditos antissistema.

A desconfiança associa-se a outro sentimento: o da superioridade intelectual. É como se as boas soluções apenas estivessem nas suas cabeças. Contudo, o que mais se verificou nestes casos foi o apontar de dedo sem se apresentar alternativas, referir soluções imediatas e fáceis, mas que careciam de prova ou a construção de narrativas que não consideravam situações complexas e diversas.

O posicionamento político é outro determinante que tem vindo a ser explorado. Por norma, o posicionamento à direita e a movimentos populistas estão mais associados a teorias da conspiração sobre a origem do vírus, a críticas às medidas sanitárias, ao questionamento sobre o processo científico e às instituições científicas e ao maior descrédito dos decisores políticos de outros espetros políticos.

Em jeito de conclusão, a pandemia mostrou que as dúvidas infundadas não se resolvem apenas com mais informação. É importante perceber como comunicar ciência nestes contextos, sobretudo como explicar às pessoas o que é a dúvida científica e como desfazer a desconfiança infundada nas instituições sociais.