Rui Correia

Cronista SIC Notícias

Eleições Legislativas

O voto dos professores vale seis deputados

Quanto vale o voto dos professores portugueses? Que impacto tem esse voto nos resultados das eleições? Protagonistas da maior manifestação de uma classe profissional alguma vez vista em Portugal, os professores representam uma porção significativa da função pública, cujo sentido de voto não é irrisório no desenlace final de uma eleição muito disputada.

O voto dos professores vale seis deputados
Canva

Não obstante, como se sabe, há cada vez menos professores. Em menos de uma década os portugueses assistiram impávidos e sereníssimos ao sumiço de cerca de trinta mil docentes. A hemorragia não parou e vai mesmo ampliar-se nos próximos anos. Na sua endémica inaptidão para antecipar e planear, Portugal não percebeu nada da história da galinha dos ovos de ouro. Mal se viu a braços com uma crise financeira, precisando de inventar dinheiro, correu a matar a galinha. Desatou a cortar nos “gastos” daquelas coisas que nunca interessam para nada: educação e cultura, essas duas gorduras. O resultado não se fez esperar, porque o tempo é um sujeito teimosíssimo. Estragar tudo não custa nada.

Entre a calúnia e a lisonja

E não nos apressemos a culpar políticos. Em 2019, a GFK realizou uma sondagem para saber qual a profissão mais “confiável” para os portugueses. Os bombeiros ficaram em primeiro lugar, logo seguidos por um empate entre médicos e professores. Infelizmente, ao mesmo tempo que o povo português quer confiar nos professores também não perde oportunidade para os ofender com a mesma animação. É só ler os jornais.

Os professores já estão acostumados a lerem notícias sobre o demasiado que ganham ao fim do mês, as justificações fraudulentas das suas faltas e atestados médicos impostores, abusos em juntas médicas, excessos ditatoriais em sala de aula, assédios ideológicos e de orientação sexual, a enormidade de dias de férias de que beneficiam, falta de profissionalismo e por aí fora.

É uma canseira tentar ainda explicar uma vez mais como se obtêm estas periódicas bofetadas. Na realidade, a paródia faz-se sempre da mesma forma: dá-se à árvore o semblante de floresta, até que se consiga estrumar um oportuno e madeireiro simulacro de incêndio. Entre a calúnia e a lisonja, os professores até já pouco valor dão a estas sondagens que juram a pés juntos que os portugueses gostam muito deles. Como pode Portugal confiar tanto nos professores se está sempre tão disponível para os pisar? Uma coisa é certa: a política detesta os professores.

“Ou nós, ou os professores!”

Ainda há meses um primeiro ministro proclamava que “nem daqui a 10 anos” os professores terão aquilo por que lutam. Hoje o seu partido, numa reumática e dorida genuflexão, reconhece que essas reivindicações constituem, afinal, “uma imperativa questão de justiça”. Ao ver isto, todos os outros partidos imediatamente se esganiçaram para engodar a boa vontade e aliciar o favor eleitoral dos professores. O aviltamento a que os professores têm sido submetidos desde há décadas, seja por governos PSD ou PS, uns convidando-os a abandonar o país, outros inflamando a opinião pública não ajuda nada. Não resta muito capital de confiança para votar nestes partidos. Justamente os mais democráticos que Portugal tem para oferecer.

Quando o país esteve aflito, foram estes os partidos que correram a pedir ajuda aos professores. Os professores compreenderam a emergência e cumpriram a sua parte. Ajudaram no que foi preciso. Com sacrifício pessoal, profissional e familiar emprestaram confiança, tempo e dinheiro. Agora querem de volta aquilo que emprestaram. Sem juros.

Quem serão os seis escolhidos?

O voto dos professores tornou-se especialmente apetecível, sobretudo num contexto em que as sondagens – esses oráculos indecisos - sugerem resultados muitos renhidos.

Terão os partidos razão em namorar o voto dos professores? Mesmo ignorando que o sufrágio dos professores é plural, politicamente sortido, e nem ligando ao facto de poderem representar uma forte influência doméstica no sentido de voto dos seus cônjuges e familiares, é iniludível que terão impacto relevante nas cores partidárias que se sentam num Parlamento.

A equitativa complexidade do sistema eleitoral não permite conclusões empíricas, mas não andaremos muito longe da realidade quando concluirmos que o voto dos cento e cinquenta mil professores que dão aulas em Portugal representa, no universo de 5.5 milhões de eleitores “praticantes”, um cômputo de seis deputados. Ou seja, é sobre um número destes que se devem debruçar os partidos: os professores valem seis dos 230 eleitos.

Numa altura em que a democracia portuguesa atravessa a sua maior crise ideológica e o descontentamento justo dos professores os aconselha a não dar a sua mão a quem sempre a rejeitou, resta a cada um destes eleitores um dilema de difícil resolução. Estão indecisos entre um voto de merecido desacato ou um voto de vigilância democrática. O voto dos professores balança entre o sobressalto e o zelo.

É imperativo que se recorde que a gritaria é sempre legítima quando o poder é desmazelado. E que a algazarra nasce do descuido ideológico e do desleixo ético de um poder instituído durante décadas. Se o mundo atravessa hoje uma pulsão antidemocrática ela nasceu da inépcia prática de uma autoridade ignorante e cúpida. Não proporcionou aos seus cidadãos os serviços e os benefícios que todos os meses, todos os dias, pagaram para ter. Foi a incúria que entregou esta oportunidade aos exaustos e o ouro aos bandidos.

A bolsa ou a vida?

Da defesa à cultura, passando pela justiça e saúde, garantir que o serviço público de um Estado se apetrecha sempre de guelra fresca e mais qualidade representa a mais elementar forma de garantir a sustentabilidade de um regime. Qualquer que ele seja.

Cansados de palavras e ávidos de gestos significantes os professores não se irão apagar gradualmente pelo simples facto de que não reclamam o impossível. São pragmáticos. Não querem tudo para “ontem” como é costume em todos os radicalismos.

Ninguém compreende o afã esgotante e moído em melindrar e desconsiderar os protestos dos professores, sem razão que a evidência financeira sustente. Mudar o sentido de voto para vencer uma batalha representa uma opção real que foi colocada aos professores. Escolher entre a bolsa e a vida pode levar a que se ganhe uma batalha, mas também a que se perca uma guerra. Será que vamos a tempo?