O presidente do PSD, de um modo, despiu-se da sua personalidade política para ser o candidato mais confortável na corrida à sucessão de António Costa ‒ o mais indolor, se quisermos ‒ nas eleições antecipadas de 2024. Ao longo da campanha, tal foi mais do que evidente, evitando polémicas, irritações ou conflitos. Se pensarmos bem, Montenegro esteve mais preocupado em mostrar-se a favor do que já era consensual (salários, pensões, serviços públicos) do que contra o que sempre havia sido (Costa, a ‘geringonça’, etc.). E isso não começou nesta eleição.
No congresso do Porto, que lhe deu posse como chefe partidário no verão de 2022, já era mais claro o que pretendia evitar como tema do que o que planeava defender como proposta. Posição sobre a eutanásia? Que deveria ser referendada, mas não como votaria no referendo. Posição sobre a regionalização? Que não havia condições para ser referendada, não revelando para onde pendia. Posição sobre o novo aeroporto? Que deveria ser consensualizada com o Governo, não que localização privilegiaria. Dois anos depois, Montenegro irá às urnas exatamente no mesmo não-lugar, beneficiando de uma imunidade aos anticorpos que conseguiu não criar.
Ao longo da campanha e dos debates, o seu esforço por se manter imóvel ‒ exacerbadamente ao centro ‒ foi notório nos tópicos mais diversos. Contra André Ventura, saiu em defesa de um Serviço Nacional de Saúde “público e tendencialmente gratuito”, conforme a Constituição. No debate com todos, descartou colocar em causa a sustentabilidade da Segurança Social. Depois de Paulo Núncio sugerir um referendo à IVG, Montenegro veio assegurar que a lei do aborto é para não mexer. A qualquer desvio de posição ‒ ou para uma posição ‒, Luís Montenegro fazia finca-pé, regressando à casa de partida: o centro menos incómodo possível.
Como que um candidato-estátua, o homem de Espinho não representa nenhuma mudança que não a de primeiro-ministro. Toda a sua assertividade foi focada numa mensagem em forma de triângulo: responsabilizar Pedro Nuno Santos pelos erros dos governos de António Costa, rejeitar alianças com o Chega e só governar se vencer as eleições. O seu objetivo? Atingir a menor taxa de rejeição possível. O seu propósito? Recuperar um canal de comunicação com o eleitorado perdido durante a troika. A sua meta? Persuadi-lo a confiar no PSD outra vez como gestor de duas variáveis fundamentais para o eleitorado português: o Estado Social e a estabilidade política.
A sua jogada de risco não tem só que ver com o voto útil ‒ só governa se ganhar ‒, mas com o posicionamento que escolheu e de que nunca abdicou: perto de todos, distante de nenhum. Se esse centro optar por manter a confiança no PS e a direita rumar a quem chama por ela, Montenegro acabará a falar sozinho. Se todos os que não melindrou o preferirem a ele, será primeiro-ministro. Faltam cinco dias para sabermos.