Eleições na Madeira 2024

Nem de esquerda, nem de direita e capaz de travar o Chega: que partido é o JPP?

É a peça-chave que pode permitir aos socialistas, pela primeira vez, chegar ao governo regional da Madeira, depois de 48 anos de domínio do PSD. Mas quem representa e o que defende, afinal, o Juntos Pelo Povo?

Nem de esquerda, nem de direita e capaz de travar o Chega: que partido é o JPP?
HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

Foi a única força política a crescer, nas eleições legislativas regionais da Madeira, no último domingo. O Juntos Pelo Povo (JPP) quase duplicou a presença no parlamento madeirense, passando de 5 para 9 deputados, depois de ter alcançado 16,89% dos votos. Que força política é esta, que está a revolucionar o xadrez político na Madeira?

Um partido de “gauleses”

Sim, é uma referência a Astérix. Isto porque a história do JPP tem raízes profundas na freguesia de Gaula, no concelho de Santa Cruz, na ilha da Madeira. Foi aqui que nasceu - trata-se, aliás, do único partido nascido dentro do próprio arquipélago –, apesar de, entretanto, já ter crescido para fora dele (foi uma das forças políticas a ir a votos nas últimas eleições regionais dos Açores).

Tudo começou em 2009, pelas mãos dos irmãos Élvio e Filipe Sousa, este último um ex-militante socialista, que deixou o PS para formar o JPP. Na altura, o Juntos Pelo Povo começou por ser um movimento de cidadãos, que decidiu concorrer às autárquicas.

A Madeira era, então, um território dominado pelo PSD de Alberto João Jardim – e os irmãos Sousa procuravam levar a cabo uma mudança. A verdade é que, se houvesse prémio revelação na política autárquica, tinham-no mesmo vencido. Ganharam logo a junta de freguesia de Gaula com maioria absoluta.

Da junta para a câmara, até ao parlamento

Em 2013, o movimento de cidadãos decide subir um degrau e apontar mesmo à câmara municipal de Santa Cruz, que vence também (assim como todas as juntas de freguesia do concelho). É aqui que se estabiliza o domínio “JPPista” em Santa Cruz - concelho em que, nas eleições regionais do último domingo, foi mesmo a força política mais votada (ficando bem à frente do PSD – 33,83% contra 26,85%).

Com as autárquicas mais do que conquistadas, o JPP passa a almejar toda a região. Em 2015, consegue ser legalizado enquanto partido político pelo Tribunal Constitucional – e se a lei só exige 7.500 assinaturas para que isso seja possível, consta que foram entregues mais de 10 mil.

O JPP concorre assim, pela primeira vez, às eleições legislativas regionais na Madeira, em 2015. Consegue somar mais de 10% dos votos e eleger logo 5 deputados (apenas um a menos do que a coligação de que fazia parte o PS).

A ideologia e identidade

Não é um partido nem de esquerda, nem de direita. Na declaração de princípios do JPP, os responsáveis do partido dizem que “secundarizam” essa “tradicional dicotomia”. E se é certo que, nesta declaração, há coisas que soam totalmente a discurso de direita - como o “princípio do respeito pelos costumes sociais (...) sobretudo a instituição familiar” -, há também outras que soam bastante à ideologia de esquerda - “o Estado tem o dever de garantir, através das suas funções de regulação social, a concretização e o desenvolvimento do Estado Social”.

O JPP define-se como “um partido liberal de matriz social”. É, acima de tudo, um partido regionalista.

É liderado, atualmente, por um dos originais irmãos Sousa - Élvio, arqueólogo, de 50 anos. E é o próprio quem atira que "99 por cento dos militantes" do JPP nunca estiveram noutro partido.

Constitui-se como uma voz de protesto, na Madeira. Agita a bandeira anticorrupção - e representa um dos maiores travões ao crescimento do Chega na região (repare-se que, nas eleições do último domingo na Madeira – ao contrário do que aconteceu, de forma exponencial, a nível nacional – o partido liderado por Ventura foi incapaz de aumentar o número de mandatos parlamentares). Não deixa, por isso, de ser acusado de “populismo” e “demagogia” por outros adversários políticos.

Além de tudo isto, o JPP rege-se pelo slogan “Unidade, Transparência e Resistência” e tem um hino bastante animado (onde se assume como de “gente séria e muito ativa”).

As polémicas

Uma das maiores controvérsias que marcou o partido foi a saída de Filipe Sousa, irmão do atual líder Élvio, antes das eleições legislativas regionais do último ano.

Desavenças entre os dois irmãos - com origem em desentendimentos quanto ao lugar que Filipe ocuparia nas listas do partido - terão sido a gota de água.

Em 2019, o partido tinha já sido atingido por uma polémica. A Procuradoria-Geral da República anunciou que a autarquia de Santa Cruz, o Juntos pelo Povo e uma sociedade de advogados de Lisboa estavam a ser investigados pelo Departamento de Investigação e Acção Penal do Funchal, por causa de contratações públicas que envolviam as três entidades.

Mas a maior de todas as ondas pode ainda estar por vir. Depois de, em 2023, Élvio Sousa ter afirmado, em entrevista à TSF, que o JPP não seria a “noiva de ninguém” - rejeitando totalmente alianças com o PS ou o PSD, que considerou “farinha do mesmo saco" -, agora tudo parece ter mudado e o casamento poderá mesmo acontecer.

Depois de feitas as contas aos resultados eleitorais do último domingo, o PS e o JPP superam número de deputado do PSD no parlamento regional da Madeira, se se aliarem.

O candidato do PS Madeira, Paulo Cafôfo, foi o primeiro a sacar do anel, mostrando-se disponível para “geringonças” logo na noite eleitoral. Agora,Élvio Sousa disse finalmente o “sim”. Se alguém tem alguma coisa contra esta união, que fale agora, ou se cale (se não para sempre, pelo menos, até às próximas eleições). Vai a direita levantar-se e impedir o matrimónio de acontecer?