As populações seminómadas, no Sudão do Sul, estão a sofrer com as inundações e secas mais severas causadas pelas alterações climáticas. Como se não bastasse, enfrentam-nas num palco de confrontos e insegurança. Nos últimos anos, a água e a comida têm sido escassas, o que levou muitos criadores de gado e agricultores a deslocarem-se para mais longe das instalações de saúde funcionais.
Nas áreas mais remotas, os cuidados médicos são praticamente inexistentes e menos de metade da população do país tem uma unidade de saúde a cinco quilómetros de casa. As comunidades debatem-se para aceder até aos serviços mais essenciais, caminhando, por vezes, vários dias ou atravessando fronteiras para países vizinhos. Estas são as suas histórias.
“No Sudão do Sul, algumas comunidades são forçadas a viver isoladas do resto do mundo para encontrarem pastagens para o gado.”
Iqbal Huba, coordenador de projeto da MSF no Sudão do Sul.
Na região de Boma, na Grande Área Administrativa de Pibor, criadores de gado e agricultores seminómadas deslocam-se e estabelecem-se em busca de água e segurança. Durante o período de chuvas, geralmente de junho a outubro, os caminhos tornam-se difíceis de percorrer, especialmente a pé – o único meio de transporte para a maioria das pessoas. Nessa altura, muitas comunidades instalam-se nas imediações da cidade de Boma, onde conseguem obter água, alimentos e cuidados médico.
Durante a estação seca, porém, as comunidades seguem novamente o curso da água e estabelecem-se em florestas remotas que ficam a dias de distância da cidade – e de instalações de saúde.
Dentro das comunidades de criadores de gado, os papéis estão claramente marcados: as mulheres são responsáveis por construir casas, recolher madeira e água, cozinhar e cuidar das crianças. Os homens – e às vezes os mais jovens – devem proteger a família e o gado.
“Fui baleado durante um confronto quando tinha 15 anos e perdi um braço.”
John Oboch, profissional de saúde comunitário.
O gado está, nitidamente, no coração da cultura destas comunidades e, tendo em conta que é um dos principais meios de subsistência no Sudão do Sul, os ataques a animais são considerados uma grave afronta, que acaba por vezes com mortos e feridos.
Os agricultores e as comunidades de criadores de gado enfrentam constantemente o perigo de serem atacados, saqueados ou mortos. Além disso, as alterações nos padrões migratórios dos animais em busca de água tem causado tensões entre grupos.
É uma competição por água, terra e gado que nunca termina. Brotam desconfiança e violência, particularmente no estado de Jonglei e na Área Administrativa de Grande Pibor.
John perdeu o braço direito aos 15 anos. É uma de muitas crianças adolescentes que também são frequentemente vítimas desses conflitos. Depois de perceber que não poderia defender eficazmente o gado com menos um braço, John decidiu elevar o seu nível de estudos.
Foi assim que acabou a trabalhar como educador comunitário de saúde para a Médicos Sem Fronteiras (MSF). Agora, visita regularmente criadores de gado para providenciar sessões de sensibilização de saúde entre as comunidades que tão bem conhece.
Onde os cuidados médicos são escassos
Durante as estações secas, as equipas da MSF levam a cabo atividades para alcançar e providenciar apoio a comunidade remotas. São deslocações que podem demorar até quatro dias, durante os quais a MSF visita diferentes localidades.
A organização médica-humanitária trabalha com profissionais de saúde comunitários: membros das próprias comunidades que são capacitados para poder administrar cuidados médicos essenciais. Através desta iniciativa, passam a poder fornecer diagnósticos, tratamento e a encaminhar casos graves de doenças tratáveis, como malária, pneumonia e diarreia – que continuam a ser as principais causas de morte entre crianças com menos de cinco anos no país – para as instalações da MSF.
“Como educadores de saúde comunitários, falamos com as pessoas sobre como prevenir algumas doenças.”
Beatrice Johnson, educadora de saúde comunitária para a MSF desde 2022.
No Sudão do Sul, muitas comunidades confiam e dependem de curandeiros tradicionais. Como as equipas da MSF são compostas por pessoas locais, compreendem estas crenças e tradições e informam os curandeiros sobre tratamentos e cuidados médicos, consciencializando ao mesmo tempo as próprias comunidades.
A sensibilização comunitária é uma componente vital das atividades da MSF. Por exemplo, no Sudão do Sul, não há doadores de sangue suficiente. Para colmatar este problema, Beatrice e as equipas móveis vão até às comunidades para partilhar experiências sobre a importância e os benefícios de doar sangue, tanto para os pacientes, como para os doadores.
Onde as mulheres são deixadas para trás
O Sudão do Sul tem alguns dos indicadores socioeconómicos mais baixos do mundo, especialmente para mulheres e crianças. Uma em cada dez crianças morre antes dos cinco anos de idade, e a taxa de mortalidade materna está entre as mais altas do mundo: cerca de 1.223 mortes por 100.000 nados vivos.
Para as comunidades remotas, viver tão longe de instalações de saúde funcionais coloca muitas vidas em risco, especialmente, as vidas de grávidas e recém-nascidos, que necessitam de cuidados especializados. No Sudão do Sul, 80 por cento das mulheres dão a luz no seio da comunidade, na maioria das vezes assistidas por parteiras tradicionais. Kaka Kolobitot é uma delas.
“Se tivéssemos ficado na comunidade pecuária, o meu filho não teria sobrevivido.”
Kaka Kolobitot, paciente da MSF.
Quando estava grávida, Kaka Kolobitot enfrentava malária grave, uma condição que pode ser fatal tanto para a mãe como para o bebé. A infeção pode ser transmitida diretamente da mãe para o feto, mas acima de tudo, a febre alta pode interromper a gravidez ou induzir um parto prematuro – e aos sete meses, Kaka deu à luz, no meio de um pasto.
Felizmente, Kaka estava ciente dos riscos associados a um parto prematuro, devido às informações fornecidas pelos profissionais de saúde da comunidade. Então, quando deu à luz, dirigiu-se a uma instalação médica. Dois dias de caminho depois, chegou a Maruwa, onde foi encaminhada prontamente para Boma pelas equipas da MSF. Aí poderia receber um nível mais elevado de cuidados, bem como o seu filho recém-nascido.
Um mês depois, o bebé de Kaka e a mãe estão saudáveis e a receber cuidados, com a equipa médica a monitorizar de perto o ganho de peso e a saúde geral do jovem sobrevivente.
Onde a expectativa de vida pouco é das mais baixas do mundo
A expectativa de vida no Sudão do Sul está também entre as mais baixas do mundo: apenas 62 anos. Cerca de dois terços de todos os estabelecimentos de saúde não funcionam e, nos casos em que existem cuidados de saúde, as infraestruturas médicas, incluindo as de nível secundário, carecem frequentemente de fornecimentos, medicamentos e de profissionais de saúde qualificados.
As nossas equipas móveis farão o que for preciso para fornecer apoio médico onde for mais necessário. Com a estação chuvosa a dificultar ainda mais o acesso às comunidades remotas, as equipas móveis da MSF adaptam-se constantemente para garantir a prestação de cuidados médicos em todo o país, usando carros, motos, barcos e caminhando por várias horas – se for necessário.